As Fronteiras Invisíveis da Europa: Padania

Caros leitores, este é o segundo texto publicado hoje. O primeiro foi Teoria das Cores: o vermelho na Copa e a conspiração comunista
Caros leitores, damos sequência na série Fronteiras Invisíveis da Europa. O texto sobre a Catalunha, publicado segunda-feira, seria para suprir a lacuna da semana passada. O texto de hoje preenche o texto da atual semana; habitualmente publico essa série nas sextas-feiras, mas como teremos um feriado, antecipei para hoje, e aí o leitor pode escolher o melhor dia para sua leitura. O blog volta no Xadrez Dominical.
Assim como no caso do separatismo belga, o movimento separatista analisado hoje também possui razões econômicas como causa principal. Falo do norte italiano, a região correspondente ao vale do rio Pó, referida como Padania pelo movimento político local. Existem outras razões, entretanto, para esse separatismo, culturais, ideológicas e políticas, que serão abordadas em um texto vindouro sobre a Itália. A Padania não é a única região italiana com um pensamento separatista, mas é onde esse pensamento é mais forte hoje.
Assim como na Espanha, muito do separatismo na Itália pode ser explicado pela falta de federalismo. O principal partido na causa da Padania é a Lega Nord, fundado como um partido federalista, em 1991, pelo político Umberto Bossi. A radicalização do movimento e de suas propostas levou ao separatismo, em que algumas regiões do norte italiano constituiriam a República da Padania. Em 1996, o partido publicou uma “declaração de independência” da região.
O termo Padania, geograficamente, se refere ao vale do rio Pó, como dito anteriormente, mas, politicamente, a República da Padania extrapolaria essa região. Para Gianfranco Miglio, jurista e acadêmico que fundamentou intelectualmente a proposta da Lega Nord, a Padania seria constituída por onze regiões da atual Itália; Miglio foi eleito Senador duas vezes pela Lega Nord, e, após sua morte, em 2001, a Lega Nord expandiu sua influência e seu projeto, atualmente abrangendo catorze regiões da atual Itália.
As onze regiões originais de Miglio são: Lombardia, Vêneto, Piemonte, Emilia-Romagna, Ligúria, Friuli, Trentina e o vale de Aosta. Posteriormente, somaram ao projeto as regiões da Úmbria, Marcas e Toscana. Ou seja, ambas as propostas extrapolam a região geográfica do vale do Pó, mas nenhuma das duas cogitou assimilar a região de Lácio, onde fica Roma. Além disso, não é possível dizer que o separatismo da Padania abrange todo o norte italiano, pois a região do Tirol não é reconhecida como “italiana” pelo movimento. Inclusive, segmentos tiroleses defendem a fusão da região com a Áustria.
O que significaria essa separação? Pela ausência de federalismo, os recursos italianos são mal distribuídos; para esse movimento radical, o norte carrega o fardo das outras regiões. O projeto atual da Padania representaria uma república com quase 34 milhões de pessoas e pouco mais de 161 mil quilômetros quadrados; respectivamente, cerca de 55% e 53% dos totais italianos.
E na economia? As catorze regiões corresponderiam à cerca de 64% da economia italiana, com um PIB regional de pouco menos de um trilhão e meio de dólares. Os motivos para essa disparidade são, principalmente, históricos: o norte italiano começou sua industrialização ainda no século XIX, enquanto o sul e as regiões insulares são muito mais agrárias.
Agora, qual a representatividade da Lega Nord, cujo nome completo é Lega Nord per l’Indipendenza della Padania? O auge da representatividade legislativa do partido foi em sua fase nascente, nas eleições de 1994, após a fusão de diversos partidos regionalistas; a Lega conseguiu 117 assentos na Câmara dos Deputados (de 630) e elegeu 60 Senadores (de 315). Hoje, sua representatividade, em uma proporção geral, caiu. Possui dezoito assentos na Câmara e quinze no Senado; além desses, elegeu cinco representantes no Parlamento Europeu, tema que já foi tratado aqui em dois textos separados.
Regionalmente, entretanto, a Lega Nord continua forte. Foi o partido mais votado no Vêneto, o segundo maior na Lombardia e o terceiro mais votado em Piemonte, Emilia-Romagna e na Ligúria. Os Presidentes (equivalentes aos Governadores brasileiros) da Lombardia e do Vêneto são da Lega Nord. Deve-se notar que a Lombardia é a região onde a ideia do separatismo é mais forte; uma pesquisa de 2012 indicou que 77% dos lombardos apoiam o federalismo e 46% apoiariam a independência da região. Nas outras regiões, entretanto, a ideia do separatismo não conta com muito apoio, apenas no Vêneto.
Não existe nenhum movimento separatista armado e articulado na Padania, mas isso não necessariamente implica em um movimento extremamente democrático. A Lega Nord defende uma separação unilateral, além de ser um dos partidos mais significantes no bloco dos eurocéticos. A Lega Nord, que é caracterizada como direita radical, faz diversas ressalvas ao movimento de integração europeia, com propostas anti-imigração e contra o chamado supranacionalismo; em contraste, como citado, a Catalunha defende uma separação democrática e a manutenção dos laços comerciais e fronteiriços com o restante da União Europeia. Pode-se dizer que a Lega Nord é radical e defende um isolamento da região.
A impressão é que os movimentos separatistas econômicos citados (que são, num menor grau, presentes até no Brasil) na Itália e na Bélgica, além do argumento econômico no movimento catalão, ganharam muita força após a crise de 2008, que afetou profundamente a economia europeia. Os regionalismos, mesmo quando não possuem muitos fundamentos culturais ou linguísticos, alimentam-se da desigualdade econômica. Tomando uma liberdade com um ditado popular brasileiro, “farinha pouca, meu pirão primeiro”.
A desigualdade econômica italiana é gritante, por razões históricas e também por um Estado obsoleto, tanto em seu funcionamento político como em sua administração. A ausência de federalismo, de políticas fiscais sólidas e um cenário político fragmentado, com uma miríade de partidos nanicos, permite o fortalecimento de movimentos como a Lega Nord; pior, incentiva sua radicalização. É improvável que venha a existir, em curto prazo, uma República da Padania, mas é um alerta para uma necessária reforma institucional italiana. Tema do próximo texto sobre o país da bota.
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Filipe Figueiredo, 28 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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Ta errado. O separatismo nessa região é motivado pela origem dos povos, os pandanos(norte italianos) pensam ser descendentes dos celtas, um povo fisicamente e historicamente similar aos germânicos e eles vem os italianos como um povo mediterrâneo similar os árabes. No século 4 A.C. os celtas de falto dominaram essa região que pertenciam aos Etruscos(povo civilizado Mediterrâneo similares aos Fenícios), mas isso foi por um período muito breve e eles eram minoria, portanto a presença deles foi insignificante na formação dos italianos modernos.
A Itália também foi invadido pelos germânicos durante o período das Invasões Bárbaras, essa invasão já foi mais significante historicamente mas eles ainda eram minoria e não representa a maior parte da população moderna. Uma dessas tribos, os Lombardos deu nome província Lombardia onde esse movimento separatismo é mais forte. Esses germânicos colonizaram a Itália de forma parecida com o que os ingleses fizeram na África do Sul, eles diziam ser parte do mesmo país mas os colonizadores(germânicos) não se misturavam com a população nativa mediterrânea, por isso ainda é fácil notar pelos traços físicos quando algum norte italiano é descendente desses germânicos.
Já na Catalunha é o contrário, os Catalães se consideram nativos Ibéricos Mediterrâneos(e de fato são) e veem os Espanhóis como invasores celtas/visigóticos, o que também é parcialmente verdade pois a monarquia ainda espanhola são descendente dos visigóticos germânicos do século 5, porém a população comum não é.
Pandana passou por alguma dificuldade nesse movimento (separatista)?
Quando Começou o movimento separatista?
A Pandana passou por alguma dificuldade nesse movimento (separatista)?
Quando Começou o movimento separatista?