Teoria das cores: o vermelho na Copa e a conspiração comunista

Caro leitor, dois textos foram publicados hoje, este foi o primeiro. O outro é da série das Fronteiras Invisíveis da Europa, sobre a Padania.
Caros leitores, semana passada, no aviso sobre a série Fronteiras Invisíveis da Europa, eu disse que escreveria um texto da série na segunda-feira e outro na quarta-feira, hoje, já que sexta-feira, dia habitual da série, é emenda de feriado (e aí ninguém lê). Publicarei ele mais tarde, ou talvez na sexta mesmo. Hoje vamos falar, até de forma informal (daí a primeira pessoa), novamente do clima político no Brasil. Um clima que está beirando a paranoia.
Está circulando na internet um artigo, de colunista já debatido aqui nesse espaço, sobre a presença da cor vermelha na logo oficial da Copa do Mundo de 2014. A presença da cor vermelha seria motivada pelo governo federal do Partido dos Trabalhadores, por influências socialistas ou comunistas, e seria ainda mais condenável pela cor não estar presente na bandeira nacional.
Como mera curiosidade histórica, já tratei aqui no Xadrez Verbal de quando a bandeira brasileira teve uma estrela vermelha. Voltando ao tema atual, essa suspeita pode ter fundamento? Muito provavelmente não, está mais no lado da paranoia ou da necessidade de vender. Agora, como refutar isso, como argumentar? Muito simples, cores também são teorizadas e estudadas.
Nas artes visuais, a teoria das cores é um guia prático para a mistura de cores e os efeitos visuais de uma combinação específica de cores. Existem também definições (ou categorias) de cores com base na roda de cores: cores primárias, cores secundárias e cores terciárias, além de tons, sombras, cores quentes e cores frias. Costuma-se falar um pouco disso na escola, inclusive. Um dos pioneiros da teorização das cores nas artes foi um tal Leonardo da Vinci; posteriormente, físicos passaram a analisar a colorimetria na composição da luz, mas aqui vamos falar apenas de arte e efeitos visuais.
Se o leitor se interessar, pode digitar “color wheel” na busca de imagens do Google e achar diversos exemplos. Colarei aqui um exemplo, presente na Wikipedia, ou seja, cujos direitos de propriedade permitem o “fair use”. Muitas rodas de cores são feitas por fabricantes de tintas e pigmentos, podendo conter material de propriedade comercial ou intelectual, daí minha precaução.
O leitor pode reparar que existe um triângulo central, formado pelas três cores primárias: amarelo, vermelho e azul. Entre eles as cores secundárias, verde, laranja e violeta. Nos triângulos menores, as cores terciárias. A roda de cores é muito útil para criar uma arte ou uma comunicação visual que seja harmônica; por exemplo, se você quiser acizentar o vermelho, o instinto seria usar o preto (que, assim como o branco, não está na roda). Parar criar uma cor acizentada com maior riqueza cromática, usa-se a cor oposta na roda; no caso do vermelho, mistura-se com o verde.
Agora, vejamos a logo da Copa do Mundo 2014, na íntegra; o artigo que circula por aí faz um corte, o que não é muito honesto quando se analisa uma peça de arte ou de comunicação visual.
Pois bem. No corte feito pelo colunista polêmico, ele omite o letreiro da FIFA, na parte inferior da logo; e aí afirma que o letreiro vermelho do ano de 2014 deveria ser azul, por ser uma cor da bandeira nacional. A questão é que o azul já está presente na logo, justamente no letreiro FIFA, que é parte da identidade visual. Não pode ser cortado. Então, as três cores da bandeira nacional estão sim presentes na logomarca.
Você pode argumentar que o azul está separado, numa parte inferior. A explicação disso (a provável explicação, já que não fui eu que desenhei a logo) também explica a presença do vermelho. Um pouco acima, mencionei que existem cores quentes e cores frias. Toda cor pode adquirir um tom frio ou um tom quente, mas algumas são mais quentes que outras. No corpo principal da logo, a taça formada pelas “mãos”, estão tons quentes de verde e de amarelo, além do vermelho.
O provável motivo do isolamento do azul é que o azul é, por natureza, uma cor fria. Daí o trocadilho poético do título do polêmico filme Azul é a cor mais quente; por ser uma cor fria, muitas vezes é uma cor de difícil impressão, reparem que nos microfones, de fundo preto, o azul foi substituído pelo branco. E os tons de verde e de amarelo, na taça, são quentes, provavelmente para remeter ao país tropical e todo o esterótipo que envolve o Brasil.
O amarelo, quando muito quente, assume tons alaranjados. Notem que em algumas áreas da “mão amarela”, ela assume tons alaranjados. E o que é o laranja? Amarelo com vermelho! Ou seja, trata-se apenas de harmonia cromática. O leitor pode achar que estou inventando, forçando a barra, ou que faço parte da conspiração comunista internacional demonstrada pelo fato do artilheiro da Copa usar a camisa número 13, assim como o goleiro mexicano, país que jogou de vermelho. Mas olhem esses exemplos.
Aqui, as logos das copas nos EUA, em 1994, e na França, em 1998. Notem a presença do preto, que não faz parte de nenhuma das bandeiras. Isso se dá pelos tons usados de vermelho e de azul serem frios, o que pedia uma terceira cor fria ou neutra; provavelmente usaram o preto pois o verde ficaria muito deslocado.
Agora, vejam as logos das copas da Coréia e do Japão, em 2002, e da Copa da Alemanha, em 2006. Na primeira, temos a presença tanto do verde quanto do amarelo, já que as cores nacionais dos países (vermelho e azul) isoladas não combinariam muito. E nem amarelo nem verde estão nas bandeiras de Coréia e Japão.
No caso da logo alemã, temos como cor principal o verde, que não é da bandeira da Alemanha; é a cor da federação alemã (por isso a Alemanha muitas vezes teve uniformes verdes), motivada pela cor da família real da Saxônia. Voltando à roda de cores, adicionaram ao verde o amarelo e o azul, pois estão todos do “mesmo lado” da roda de cores. E ficou tão fora das cores da bandeira alemã que colocaram uma bandeira estilizada na lateral da logo.
Finalmente, mais um elemento dessa paranóia. A presença da bandeira cubana no clipe oficial, mais um claro demonstrativo da conspiração judaico-comunista-bolchevique-bolivariana-jihadista-Satan Goss para dominar o Brasil. Essa imagem aqui andou circulando pelo Facebook, twitter, etc.
Primeiro, em um dos minutos citados na imagem, a bandeira que aparece é a de Porto Rico, muito parecida com a cubana, mas possível de diferenciar. Segundo, apenas nesse frame é possível distinguir as bandeiras da Finlândia, Suécia, Canadá, Israel e Bahamas. Nenhum desses países está na Copa também. A mensagem é muito simples: todos os países são bem-vindos, todos.
Então, vamos manter o debate saudável. Critiquemos, apontemos defeitos e vamos fazer o possível para melhorar a situação, seja lá o que isso signifique para cada um. Mas sem paranoia, sem, como diz o velho ditado, procurar comunista debaixo da mesa.
*****
Caro leitor, posteriormente, publiquei um complemento ao texto, dê uma olhada.
*****
Como sempre, comentários são bem vindos. Leitor, não esqueça de visitar o canal do XadrezVerbal no Youtube e se inscrever.
*****
Caso tenha gostado, que tal compartilhar o link ou seguir o blog?
Acompanhe o blog no Facebook e no Twitter e receba notificações de novos textos e posts, além de outra plataforma de interação, ou assine o blog com seu email, na barra à direita da página inicial. E veja esse importante aviso sobre as redes sociais.
O autor ignorou alguns fatores, talvez por desinformação…
A logomarca da copa Japão-Coreia foi criada para ser um designador da COPA DO MUNDO, tanto que a imagem traz a taça estilizada e as cores de todas as nações participantes do torneio. Isso é fato que a mesma logo foi usada na copa seguinte, com a mesma conotação, as cores de todas as nações, com um detalhe sutil, ao lado, do país sede.Na copa da Africa do Sul, a logo traz as cores da bandeira, e mais uma vez a logo da taça estilizada, estão ali representados os países participantes. Já na logo da Copa no Brasil, retirou-se a logo da taça, não há referências aos demais países participantes… o vermelho está ali, sim, solto, sem motivação lógica. Quanto à “teoria das cores”, é óbvio, não tem qualquer influência na logomarca, se assim fosse estaria presente desde sempre, e não é o caso. O vermelho da nossa “linda” logo pode até não ser uma referência à ideologia comunista… pode até nem ser a “cor preferida do partido do pudê”… pode ser só porque… acharam bonitinho, ou, como se diz hoje em dia “porque sim”. O fato é que justificar a presença do vermelho na logomarca é tão inócuo quanto tentar criticá-la.
Obrigado pelo comentário, mas ele mistura a questão das cores da logo com o formato e desenho da logo; além disso, o formato da taça estilizada era motivado pela parceria com o JBIC (daí sua similaridade com a própria logomarca do banco), parceria que não foi executada no Brasil. Finalmente, o vermelho não está “solto”, a explicação já foi dada pela teoria das cores, sem aspas. Trata-se de expediente comum no design e na propaganda para harmonizar as cores escolhidas, no caso, os tons quentes de verde e amarelo. Falando em cor quentes, uma breve checada no site oficial da logo no portal Fifa.com mostra que o termo é usado três vezes no release da logomarca.
Ouso discordar. Se a teoria das cores fosse uma novidade, descoberta nos últimos quatro anos faria todo sentido. Infelizmente não é o caso, tanto que nunca foi aventada, em logos anteriores.
Você tem todo o direito de discordar, mas destaco que analisei quatro logos, num período de vinte anos, e todos se encaixam. Pode consultar com diversas agências de publicidades ou fabricantes de material artístico. Alguns artistas, como Monet, eram gênios justamente pelo seu manuseio da palhetas de cores.
Além disso, cada logo também é fruto do seu contexto histórico. Os de hoje são muito mais artísticos e coloridos. Os das décadas de 70 e 80, por exemplo, são muito mais nacionalistas. Os das décadas de 1990 são uma mistura dos dois elementos, exatamente por ser um período de transição na História, e assim vamos.
E desconfio que um dia dirão que o nosso logo “reiniciou” justamente o nacionalismo nos logos, pelas cores e pelos esboços do logo da Rússia-2018.
Talvez caiba destacar minha fonte, este livro, que possuo por razões conhecidas por você: http://www.amazon.com/Color-Mixing-Recipes-Oil-Acrylic/dp/1560108738
Um abraço
Como disse antes, nas logos anteriores o uso de cores diferentes daquelas do país sede tinha motivação na referência às demais nações participantes, nessa logo essa ideia não existe, portanto seria a primeira vez que uma cor diferente apareceria na logo por razões puramente estéticas. No curso que estou fazendo, de artes gráficas, visitei os princípios da tabela de cores e sua utilização, mas também foi enfatizado que essa utilização de cores jamais sobrepujará a ideia central que a logo quer mostrar. Por esse motivo existem tantas logomarcas (a maioria delas, inclusive as melhores do ponto de vista artístico e mercadológico) com uma ou duas cores, sem as suas complementares e sem a fusão de cores frias e quentes. Se essa teoria fosse REGRA na produção de logos, haveria a cor verde na logo da Coca Cola, roxo no Mc Donalds e na Shell, vermelho na logo da Petrobras.
Favor citar o uso do termo “REGRA”
regra
re.gra
sf (lat regula) 1 Norma, preceito, princípio, método. 2 Máxima. 3 Ação, condição, qualidade, uso etc., que se admite como PADRÃO COMUM; exemplo, modelo.
Considerando que o texto fala em “guia prático”, “muito útil”, “provável explicação”, “provável motivo”, e não fala, em nenhum momento, de REGRA, norma, preceito, princípio, máxima, PADRÃO COMUM, a ideia refutada não está presente no texto, é uma interpretação do leitor, que deve ser respeitada. Inclusive, o autor jamais defenderia a existência de regras no processo de criação artística, e concorda totalmente com o comentário de que não é uma regra. O fato é que refutar uma ideia que não está presente no texto é inócuo.
Bom, quando a questão é representar o Brasil usando cores, desde sempre usou-se o verde e amarelo. As vezes usa-se o azul e o branco, mas esse vermelho não tem absolutamente nada a ver. E quando a gente lembra da Dna. Marisa tascando uma estrela vermelha no jardim do Alvorada, dá-se margem para esse tipo de pensamento.
Pingback: Fronteiras Invisíveis da Europa: Padania | Xadrez Verbal
Resumindo: “O fato é que justificar a presença do vermelho na logomarca é tão inócuo quanto tentar criticá-la.”… Exato!
É isso mesmo. Esse assunto do vermelho é tão 2011/2012, logo quando lançaram a marca que representa a copa do Brasil…
Pingback: Resumo da Semana – 16/06 a 22/06 | Xadrez Verbal
Pingback: Complemento e referências ao vermelho na Copa e a conspiração comunista | Xadrez Verbal