ONU 2017: Os pinguins e as relações exteriores de Israel

Caros leitores e ouvintes do Xadrez Verbal, ontem, dia Dezenove de Setembro de 2017, iniciou-se mais um Debate Geral da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas. Buscando retomar o trabalho que foi realizado aqui nesse espaço nos anos de 2013, 2014 e 2015, farei uma cobertura especial dos principais discursos e temas abordados pelos líderes mundiais perante a comunidade internacional. Tudo será compilado em uma categoria especial, tal qual nos anos citados; infelizmente, em 2016, não consegui executar essa cobertura especial.
Eu firmemente acredito que estar bem informado sobre a comunidade internacional é essencial nos tempos que vivemos, e uma ótima circunstância é a AGNU, quando cada país expõe as suas pautas, as suas prioridades e interesses. Os discursos devem ser vistos sempre com um olhar crítico, mas são sempre reveladores. A cobertura é de especial interesse para alunos de cursos como Relações Internacionais e similares, claro; se for seu caso, não esqueça de divulgar os textos.
Seguimos essa cobertura com o discurso de Israel. Ainda hoje teremos um texto sobre o discurso dos EUA.
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OS PINGUINS E AS RELAÇÕES EXTERIORES DE ISRAEL
Outro dos líderes mundiais que falou no primeiro dia do Debate Geral da 72ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas foi o Premiê de Israel, Benjamin Netanyahu. Seu discurso foi relativamente breve, comparado com outros anos. O eixo principal foram as relações exteriores de Israel; logo na abertura, Netanyahu afirma que o mundo está abraçando Israel. Segue citando líderes que visitaram Israel, mencionando dois nominalmente: Trump, que incluiu Israel em sua primeira visita ao exterior, além de elogiar o discurso de Trump como o mais corajoso já visto ali; e Modi, da Índia, cuja longa viagem foi vista como uma aproximação histórica entre os dois países, especialmente devido o grau de atenção que recebeu de Netanyahu. Emendou citando suas viagens pelo mundo, “seis continentes em um ano”, elencando os países latino-americanos que visitou recentemente, cuja viagem não incluiu o Brasil (mais sobre isso no ótimo texto da professora Monique Sochaczewski Goldfeld e do professor Guilherme Casarões). Para fazer a transição de temas, Netanyahu emendou um gracejo, dizendo que ainda não visitou a Antártida, mas que pretende fazê-lo, pois pinguins são “entusiastas de Israel”, já que não tem problemas em reconhecer que “algumas coisas são preto e branco, são certo e errado”.
Isso introduz três críticas e um silêncio de Netanyahu nas relações exteriores e no entorno de seu país. O silêncio é em relação ao processo de paz na Palestina, com uma única menção ao tema, incluindo os palestinos em “nossos vizinhos árabes”. Hoje, dia 20, o líder palestino Mahmoud Abbas teve a palavra, veremos sua resposta em breve. Sobre as críticas de Netanyahu. Primeiro, ao regime sírio e o conflito naquele país. Segundo, ao acordo nuclear com o Irã, afirmando que sua política sobre o acordo é muito simples: “Mudem ou cancelem, consertem ou joguem fora”. Deixou claro que seu governo age e continuará agindo para impedir que o Irã tenha bases ou forças nos vizinhos Síria e Líbano. Finalmente, criticou o próprio sistema internacional e organismos da ONU, pelo que afirma ser uma postura anti-Israel. A crise do Monte do Templo, a declaração pela UNESCO de que o Túmulo dos Patriarcas é um Patrimônio Cultural Palestino e a resolução da Organização Mundial da Saúde que criticou Israel pelas condições nas Colinas de Golã; aqui, especialmente, com críticas ao regime sírio e a falsa simetria entre um regime, Síria, que bombardeia sua própria população e um país, Israel, que fornece cuidados médicos para as vítimas do mesmo conflito.
Nesse tema, é bom retomar um esclarecimento sempre feito aos leitores: não existe “a ONU” ou “a OMS” no sentido de um poder executivo soberano. São órgãos que representam a vontade coletiva dos Estados nacionais. Essas resoluções são aprovadas por voto, não por uma pessoa. Isso torna-as passíveis de manipulação pela simples maioria; no caso, um maior número de países muçulmanos ou árabes, e países que possuem boas relações com esses. O Brasil vota contra os interesses de Israel na UNESCO e em outras instâncias desde a década de 1970, incluindo durante o governo Temer, por priorizar suas relações árabes. Então, críticas e cobranças devem ser feitas aos países votantes, não contra as organizações sequestradas para essas finalidades.
Dois aspectos do discurso do Netanyahu também devem ser destacados. Ao falar do Irã, Netanyahu denunciou uma política externa belicosa e expansionista do país, citando o apoio iraniano a movimentos considerados como terroristas em Israel e até usou a expressão “cortina de ferro”. Entretanto, nenhuma palavra sobre o mesmo comportamento do rival iraniano, a Arábia Saudita. Hoje o Oriente Médio vive uma Guerra Fria particular, em que ambas as potências possuem comportamentos semelhantes e nocivos para a região, vide a crise humanitária no Iêmen. A recente aproximação não-oficial entre Israel e os países do Golfo contra um adversário comum, o Irã, não pode justificar o silêncio, especialmente pelas possibilidades futuras.
O outro aspecto é a de sempre usar exemplos contemporizadores em sua fala. Criticou a ONU, mas elogiou a fala do Secretário-Geral António Guterres, que afirmou que negar a existência do Estado de Israel é anti-semitismo. Falou do entorno de Israel em tons críticos, mas elogiou o presidente egípcio e seu compromisso com a paz e falou em “nossos amigos muçulmanos” do Azerbaijão e do Cazaquistão. Também permeou seu discurso com referências sobre a potência de inovação em Israel, em áreas como tecnologia e medicina, e com referências ao público dos EUA; dessa vez, trocou o beisebol por John McEnroe. Encerrou sua fala elencando diversas efemérides importantes para Israel em 2017: os 120 anos do primeiro Congresso Sionista; os 100 anos da Declaração de Balfour; os 70 anos da resolução da ONU que partilhou o Mandato Britânico da Palestina; e os 50 anos da Guerra dos Seis Dias, que reuniu Israel e Jerusalém, sua “eterna capital”. Além do ouvinte do Xadrez Verbal já estar ciente dessas datas e seu significado, temos uma escolha de palavras que não permite interpretações dúbias.
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O texto sobre o discurso da Turquia está aqui.
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Os discursos podem ser lidos, ouvidos e assistidos, na íntegra, no site do Debate Geral.
Os áudios são disponibilizados no idioma original e nos seis idiomas oficiais da ONU; ou seja, uma boa oportunidade também para praticar o aprendizado de línguas.
Caso o leitor fique com dúvidas ou interesse especial, recomendo sempre consultar o discurso original na íntegra.
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Caso queiram consultar as coberturas especiais dos anos anteriores, assim como outras categorias especiais de textos, estão aqui.
Filipe Figueiredo é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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Filipe, esse ano o discurso do Bib foi digamos mais realista e pragmático do que nos últimos anos, muito embora como você ressaltou tenha “ignorado” polêmicas recentes. A que deveria essa postura no caso? Até por que, ele tem se pautado nos últimos tempos por uma postura nas relações exteriores menos belicista e mais propositiva, até ressaltando as várias viagens que ele tem realizado, meio como que querendo recuperar um terreno que os anos mais extremados do Liberman.
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