Queda do Muro 25 Anos – Introdução

Caros leitores, os textos da semana serão sobre o aniversário de vinte e cinco anos da queda do Muro de Berlim. O especial Queda do Muro 25 anos começou ontem, com o Xadrez Dominical com dicas de filmes sobre o Muro. Dada a importância do evento e sua característica espontânea, com grande participação popular, o dia Nove de Novembro tornou-se um símbolo do processo de reunificação alemão. Como diversos símbolos, entretanto, acabou por eclipsar a ordem dos fatos e outros aspectos, também importantes, da reunificação. Por isso, uma introdução é necessária, pois o fim da República Democrática Alemã, popularmente a Alemanha Oriental, não começou nem terminou em Nove de Novembro de 1989.
A RDA vivia uma grave crise econômica no início de 1989, mas o caráter autoritário do Estado ainda impedia que isso fosse canalizado em um movimento popular. Em Maio de 1989, seis meses antes da queda do Muro, o marco do fluxo popular: a Hungria, então também um país autoritário do “bloco oriental”, começou a abrir suas fronteiras e retirar as barreiras físicas na fronteira do país com a Áustria. A remoção acabou em Agosto de 1989 e, em Setembro, cerca de treze mil alemães-orientais fugiram para a Áustria, via Hungria. De Agosto até a reunificação alemã, cerca de setenta mil alemães fizeram esse caminho.
Dois eventos são simbólicos desse deslocamento para o Ocidente. O “piquenique das nações” de 19 de Agosto de 1989, quando movimentos políticos de oposição húngaros organizaram um piquenique na fronteira entre o país e a RDA. Alemães-orientais da região ou que estavam na Hungria a passeio foram convidados, onde receberam panfletos e marcos alemães. Cerca de novecentos alemães-orientais foram de lá para a Áustria no mesmo dia. Outro símbolo desse movimento que iniciou a reunificação alemã é a tomada das rodovias húngaras por Trabants, o simpático carro produzido pela VEB na Alemanha Oriental. Os carros eram entupidos com tudo que as pessoas podiam levar antes do trajeto.

Grafite no Muro de Berlim com um Trabant atravessando o Muro para Berlim Ocidental. Na placa, a data da queda do Muro.
Além de deixarem o país, o povo também se movimentou dentro das fronteiras da Alemanha Oriental. As Montagsdemonstrationen (Manifestações de Segunda) iniciaram em Leipzig, uma das maiores cidades da porção leste alemã, no dia Quatro de Setembro de 1989. Acabaram apenas em Março de 1990, com a primeira eleição multipartidária para o Parlamento Popular da RDA. Toda Segunda-feira as manifestações iam aumentando, aos gritos de Wir sind das Volk! (Nós somos o povo!), um lembrete aos governantes autoritários do país. No dia 23 de Outubro de 1989, cerca de 320 mil pessoas tomaram parte da manifestação. A população de Leipzig, na época, era de cerca de meio milhão de habitantes.
Em Nove de Novembro, Günter Schabowski, do Politbüro da RDA, declarou em uma famosa conferência de imprensa, que os pontos de fiscalização internos de Berlim seriam abertos. Isso causou o movimento popular que tomou as ruas e iniciou a demolida do Muro. O mesmo Schabowski revogou qualquer ordem de repressão por parte da polícia alemã-oriental. Até hoje recaem suspeitas de um plano de ação violenta por parte de algumas autoridades da RDA. Duas semanas depois, o chanceler da República Federal da Alemanha, Helmut Kohl, propôs um plano de dez pontos para colaboração e integração das duas Alemanhas, objetivando a reunificação.
O processo todo, entretanto, foi acelerado pelo desenrolar dos fatos. Em Março de 1990, o Partido da Unidade Socialista, que durante décadas foi o único partido da RDA, sofreu uma derrota estrondosa na única eleição multipartidária da RDA, já citada. Em Maio de 1990, uma “fusão econômica de emergência” foi desenhada entre os dois países. Em Julho de 1990, o Marco alemão substituiu o Marco da RDA, uma mudança de moeda em apenas dois meses. Em 31 de Agosto de 1990 foi assinado o Tratado de Unificação, que abordava temas civis e econômicos. Em Doze de Setembro, o Tratado sobre o Acordo Final em respeito à Alemanha foi assinado. Finalmente, em Três de Outubro de 1990, quase um ano após a queda do Muro, foi declarada extinta a República Democrática Alemã, todos seus símbolos e instituições.

Mig-29, um dos principais aviões de combate do mundo na época, da RDA, com pintura comemorativa. Já com as cores da bandeira da Alemanha unificada, o avião se prepara para o último voo da Força Aérea da RDA. Abaixo do cockpit, parte da pintura comemorativa, a data 27/09/90.
O processo de reunificação da Alemanha marca o fim da Guerra Fria e o nascimento de um novo momento internacional. Seu símbolo é fortíssimo, a derrubada de um muro justamente pelas pessoas que eram confinadas por ele. O símbolo sozinho, entretanto, é apenas um episódio dentre um longo e doloroso trabalho de reconciliação. Reconciliar duas economias, dois territórios, dois Estados e um povo separado de si mesmo. É impossível compreender os acontecimentos de 2014 sem compreender os acontecimentos entre 1988 e 1992; esses, entretanto, não se resumem ao Muro e sua queda. Usemos a memória do Muro para recordar e compreender todo o acontecimento.
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Filipe Figueiredo, 28 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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