O Exército Vermelho do Ruhr e o rumo ao nazismo

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Caros leitores, hoje retomamos uma série que, ao mesmo tempo, deveria ser uma prioridade desse autor e acaba relegada ao segundo plano, por pressão dos temas atuais. Depois de um imperdoável hiato de seis meses, retomo a categoria de textos sobre a Alemanha no entreguerras, que objetiva compreender a origem do nazismo e suas características; por exemplo, a caracterização recente do nazismo como à esquerda no espectro político.
No primeiro texto, comentei o assassinato de Kurt Eisner e a existência de um judiciário conservador aliado ao sentimento antirrepublicano. No segundo texto, mais aprofundado, explica-se que o governo social-democrata de Weimar “vendeu a alma” para poder estabelecer a república e sua nova constituição. Finalmente, o terceiro texto trata do putsch de Kapp e como setores radicais da direita, especialmente das forças armadas, tentaram aproveitar o momento de crise para tomar o poder.
Como introduzido ao final do terceiro texto, hoje veremos as ações da esquerda radical que, no mesmo contexto de crise institucional, também tentou orquestrar uma tomada do poder.
Uma das maneiras que o governo social-democrata do Partido Social-democrata Alemão (Sozialdemokratische Partei Deutschlands, SPD) encontrou para combater e enfraquecer o putsch de Kapp, em Maço de 1920, foi a convocação de uma greve geral. Doze milhões de trabalhadores paralisaram suas atividades, interrompendo serviços essenciais, como fornecimento de água e gás. A greve atingiu também a região do vale do Ruhr, historicamente o coração da economia industrial alemã. Aproveitando tanto o momento quanto o sucesso e amplitude da greve, setores políticos de esquerda e da extrema-esquerda alemã articularam uma tentativa de tomada do poder. Seu desfecho e, principalmente, a diferença no tratamento dos dois levantes quase simultâneos, desempenha um papel essencial na compreensão dos anos 1920 na Alemanha e a consequente ascensão do nazismo.
Setores mais à esquerda do SPD, o Partido Comunista Alemão (Kommunistische Partei Deutschlands, KPD), o Partido Social-democrata Independente Alemão (Unabhängige Sozialdemokratische Partei Deutschlands, USPD) e o grupo anarcossindicalista União Livre dos Trabalhadores da Alemanha (Freie Arbeiter Union Deutschlands, FAUD) formaram o cerne dessa articulação que objetivava tanto a derrota do putsch de Kapp quanto à instauração de um governo revolucionário e proletário na república. A consequência foi, além da paralisação econômica, o levante de um exército de cerca de cinquenta mil trabalhadores e a instauração de diversos conselhos populares em fábricas e instituições governamentais, como prefeituras.
A importância do vale do Ruhr deve ser contextualizada. Em 1913, último ano de paz na Europa, a região extraía de suas minas cerca de 114 milhões de toneladas de carvão e produzia cerca de 8.2 milhões de toneladas de ferro fundido; esse número é maior que toda a Europa ocidental somada, no período. O tamanho do rio Ruhr, seus afluentes e canais também faz da região uma grande fornecedora de energia elétrica e de abastecimento de água. Dada sua importância econômica, que remonta ao século XVIII, diversas das principais cidades alemãs estão ali. Dortmund, Essen, Duisburg e Bochum, por exemplo. Atualmente, a área urbana do Ruhr é a quinta maior da Europa. O vale foi um dos protagonistas do Tratado de Versalhes, com partes ocupadas pelas potências vencedoras e parcelas de sua produção direcionadas exclusivamente ao pagamento da dívida de guerra alemã (isso será tema de texto próprio).
Dado esse contexto, uma greve geral acompanhada de um levante proletário na região paralisaria todo o país; ainda pior, na perspectiva dos segmentos sociais já tratados nessa série, era o risco potencial de uma revolução. O Levante do Ruhr (Ruhraufstand), controlando uma região essencial, poderia se alastrar por toda a Alemanha, proporcionando uma revolução bem-sucedida, como aconteceu na Rússia anos antes. O Exército Vermelho do Ruhr (Rote Ruhrarmee) teve total iniciativa nas ações até o dia 26 de março, ocupando cidades importantes como Dortmund e formando um Comitê Central dos trabalhadores (Zentralrat). Além disso, o Exército Vermelho do Ruhr teve algumas vitórias em escaramuças contra unidades Freikorps, como o Freikorps Lichtschlag, que será citado novamente.
Após o fracasso do putsch Kapp e a consequente reestruturação, o governo de Weimar voltou suas atenções para o levante no Ruhr. No dia 24 de março, o governo emitiu um ultimato, exigindo o final da greve e dos conselhos de trabalhadores até o dia 30 de março. No dia 26 de março, o Reichspräsident Friedrich Ebert indicou Hermann Müller como o novo chanceler. O ultimato não foi atendido, apenas fortaleceu a greve. Mais de trezentos mil mineradores cruzaram os braços e cidades como Düsseldorf e Elberfeld passaram ao controle dos revolucionários. Até o final de março, toda a região do Ruhr estava controlada pelos conselhos de trabalhadores e movimentos populares. Müller tentou uma solução negociada em Bielefeld, mas não contou com o apoio dos chefes militares e dos freikorps.
No dia Dois de abril de 1920, após o fracasso das negociações e a recusa do ultimato do governo, forças regulares da república, Reichswehr, com apoio de unidades freikorps, marcharam para a região do Ruhr. Faziam parte do contingente inclusive unidades que se levantaram contra Weimar dias antes, apoiando o putsch de Kapp. O Exército Vermelho do Ruhr foi derrotado pelas unidades mais experientes e equipadas do exército alemão e dos freikorps; os combates foram seguidos de execuções em massa e “julgamentos” por traição. No dia Três de abril, o presidente Ebert proibiu as execuções, mas a ordem só foi repassada pelos comandantes militares no dia 12 de abril. Números concretos são impossíveis de se obter, mas calcula-se cerca de mil execuções. O citado Freikorps Lichtschlag ficou conhecido como Freikorps Totschlag (assassino). Um contraste brutal no tratamento entre o levante de setores da direita com o levante da esquerda revolucionária.
No dia Oito de abril, a Reichswehr já controlava todo o vale do Ruhr alemão. Parte dos revolucionários fugiu para as regiões do Ruhr que estavam sob ocupação francesa e britânica. Ambas as potências denunciaram a presença das forças armadas alemãs na região, proibida pelo Tratado de Versalhes, e ameaçaram com mobilização e ocupação do restante do Ruhr. Forças francesas, em resposta, ocuparam algumas cidades alemãs, como Frankfurt; essa ocupação durou até 17 de maio de 1920. Esse episódio será parte do próximo texto, ainda no período revolucionário alemão. Dentro de suas fronteiras, temos um governo que acredita que está estabelecido, uma direita fortalecida e com a lição de necessidade de articular-se e, finalmente, uma esquerda suprimida. A relação da Alemanha com o que acredita ser seu território e suas novas fronteiras de 1918 será o próximo ingrediente nesse caldeirão que resultará no nazismo.
Muito importante. O próximo texto do tema não demorará a sair e renderá o primeiro livro do apoio cultural da Editora Unesp. Fiquem atentos e não percam a oportunidade de aprender um pouco mais sobre História e sobre o período. Quem sabe não ganham um livro, recebido na porta de casa?
Filipe Figueiredo, 28 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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Caros leitores, a participação de vocês é muito importante na nova empreitada: Xadrez Verbal Cursos, deem uma olhada na página.
Bom dia Filipe, quando você irá continuar essa série?
Muito interessante! É bom entender em que contexto foi possível que surgisse algo como o nazismo. Como você disse na primeira postagem da série, é conhecer a história para não repeti-la. Num momento em que vemos o nacionalismo e o extremismo aumentando e estrelando tantas rodas de conversa, nunca é demais saber um pouco mais sobre os rumos que isso pode atingir (num caso extremo, obviamente). Ótimo trabalho! Por favor, continue a série.
Ótima matéria Filipe, também curto muito seu canal no YouTube. Eu conhecia um pouco mal essa fase da Alemanha, mas seu texto abriu mais o conteúdo.
Parabéns!
Sucessos.
Ótimo blog amigo!
Os movimentos operários na Alemanha no imediato pós guerra foi um assunto que praticamente não foi tratado na graduação. O período entre guerras foi abordado essencialmente em um aspecto macro, ou seja, através das relações internacionais após a primeira guerra, sobre a natureza do Tratado de Versalhes e a crise de 1929. Parabéns pelo texto