Existe sucateamento do orçamento militar brasileiro?

O orçamento militar e de defesa brasileiro é foco de debates recentes. Diversos aspectos são levantados, tais como: falta de investimentos em pesquisa e tecnologia, que possibilitam a inovação e a exportação de equipamento; sucateamento do atual equipamento das forças armadas brasileiras; defasagem salarial e de condições nas forças brasileiras. Em alguns momentos, aponta-se que tais aspectos seriam consequência de uma política intencional de esvaziamento das forças armadas brasileiras. Espécie de “revanchismo” engendrado por perseguidos políticos do período da ditadura militar que hoje ocupam altos cargos no governo, como a própria Presidenta Dilma. Recentemente, o candidato Aécio Neves fez comentários similares em debates televisivos. Como embasar esse debate e quais os aspectos orçamentários das forças armadas nos anos recentes?

fumaça

Primeiro, é necessário contextualizar a atual situação do orçamento de defesa brasileiro. Os dados são do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI, Instituto de Pesquisa de Paz Internacional de Estocolmo). O SIPRI é uma das instituições mais respeitadas no ramo e publica, anualmente, um relatório detalhado sobre os gastos militares mundiais. Em valores brutos, em 2013, o Brasil teve um orçamento de defesa de 31.5 bilhões de dólares. Os três primeiros colocados da lista, EUA, China e Rússia, possuem cada um suas particularidades, ou seja, não são um parâmetro mundial. (clique nas imagens para vê-las em tamanho maior)

Principais orçamentos militares do mundo em 2013

Principais orçamentos militares do mundo em 2013

Em 2013, o Brasil foi o 12º país com mais gastos militares; no ano anterior, ocupava a décima posição. Dos quinze países com maiores orçamentos militares, entretanto, Brasil e Austrália são os países da lista que não são parte da OTAN ou estão localizados em uma região de atual escalada bélica. Ou seja, parte dessa queda no ranking se dá pela escalada de gastos de outros países. No intervalo de tempo entre 2004 e 2013, os Emirados Árabes Unidos quase dobraram seus gastos militares, e Arábia Saudita, Rússia e China mais que dobraram.

No mesmo período, o Brasil aumentou em 48% seu orçamento militar, boa parte disso devido à retomada de projetos de desenvolvimento. É o quinto orçamento que mais cresceu na última década. Finalmente, relativo ao Produto Interno Bruto, o Brasil é um dos que menos gasta, 1,4% do PIB nacional; menos que isso, apenas o Japão, que investe exatamente 1% de seu PIB em temas de defesa, como presente em sua constituição. Essa proporção, no caso japonês, nunca varia. A proporção média mundial é de 2,4% do PIB. Pode-se concluir, nesse primeiro momento, que, no contexto internacional, o Brasil é o país fora de zona de conflito que mais investe em defesa, que os gastos nacionais estão aumentando, mas, proporcionalmente ao PIB, ainda podem ser considerados defasados.

O segundo ponto que deve ser analisado é o histórico nacional. Com dados também do SIPRI, alguns gráficos podem contribuir nesse debate. A data base dos gráficos é o ano de 1995, por um motivo pragmático. Não se trata de comparação partidária ou eleitoral, é o primeiro ano cujos orçamentos estão disponíveis já em Real. Embora isso limite um pouco o panorama, evita a necessidade de analisar números que são apenas estimativas, derivados de conversões monetárias. Além disso, os orçamentos até o ano 2000 são calculados com a soma dos antigos Ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, antes do estabelecimento do Ministério da Defesa unificado. Finalmente, dados de 2014 não foram analisados pois o ano fiscal ainda não acabou.

O primeiro gráfico demonstra valores brutos, não corrigidos, em bilhões de Reais. O piso é justamente no ano de 1995, 13,14 bilhões de Reais. O teto é o ano de 2013, com 67,81 bilhões de reais. Em valores brutos, é possível dizer que o orçamento de defesa do ano passado foi o maior em quase duas décadas.

Orçamento brasileiro de defesa, em bilhões de reais brutos.

Orçamento brasileiro de defesa, em bilhões de reais brutos.

O valor monetário, entretanto, deve ser corrigido. Inflação, desvalorização, valorização, comparações com o dólar, uma ampla gama de fatores influencia no poder de compra. É disso que se trata o segundo gráfico, com valores em bilhões de dólares corrigidos de acordo com a data base de 2011. Nessa nova situação, o crescimento do orçamento de defesa brasileiro permanece, entretanto, o teto passa a ser o ano de 2010, com 38,1 bilhões de dólares, em comparação aos 36,1 bilhões de dólares de 2013. O piso também muda, passa a ser o valor de 21,1 bilhões dos anos de 1996 e 1997.

Orçamento militar brasileiro, em bilhões de dólares. Valores constantes na data base de 2011.

Orçamento militar brasileiro, em bilhões de dólares. Valores constantes na data base de 2011.

Numa proporção per capita, com os gastos nacionais divididos pela população, a tendência de crescimento do orçamento também pode ser vista. O terceiro gráfico aborda essa relação, em dólares. O piso é o ano de 2003, com 46,1 dólares por pessoa gastos em defesa; o teto foi no ano de 2011, com 187,5 dólares por brasileiro.

Gasto militar brasileiro em dólares per capita.

Gasto militar brasileiro em dólares per capita.

A relação histórica dos gastos brasileiros em defesa começa a ficar mais clara com as duas próximas relações. O próximo gráfico traz a proporção dos gastos brasileiros em defesa com o PIB nacional daquele ano. Nessa relação, o teto é o ano de 2001, quando os gastos militares do Brasil foram de 2% do PIB. O piso torna-se justamente o ano de 2013, com 1,4% do PIB.

Orçamento militar brasileiro proporcional ao Produto Interno Bruto

Orçamento militar brasileiro proporcional ao Produto Interno Bruto

Finalmente, o último gráfico mostra a relação entre os gastos em defesa com o gasto federal total. O teto torna-se o ano de 2001, quando 5,4% do orçamento da União foi para gastos militares. O piso, novamente, é o ano de 2013, quando 3,5% dos gastos federais correspondem ao tema de defesa.

Proporção dos gastos em defesa no Brasil, em relação ao orçamento federal

Proporção dos gastos em defesa no Brasil, em relação ao orçamento federal

A conclusão desse segundo ponto de análise, com os dados gráficos do histórico de gastos brasileiros, é que os investimentos brasileiros em defesa estão crescendo. Nos últimos quatro anos talvez tenham atingido seu maior patamar na História. Em contraste, o país cresceu mais, tornou-se mais rico. Essa riqueza não foi proporcionalmente investida no orçamento militar. Nos últimos anos o PIB nacional cresceu e o investimento brasileiro em defesa cresceu, mas a participação da área no total do PIB diminuiu. Resta a análise do terceiro ponto: quão bem esse dinheiro da defesa é gasto?

Analisando notícias, entrevistas e documentos do ano de 2012, ano em que boa parte das informações já está disponível, nota-se que a maioria do orçamento daquele ano foi para despesas, não para custos e investimentos. Cerca de 25% do orçamento, R$ 17,2 bilhões, foi realmente investido em manutenção e ampliação da capacidade operacional. O restante do dinheiro, quase cinquenta bilhões de reais? Despesas, como, por exemplo, gasto previdenciário. A folha de pagamento militar brasileira tem cerca de um milhão de pessoas, com apenas 300 mil na ativa. Não é uma questão de deslegitimar ou vetar gastos previdenciários para os militares, mas atentar para dois aspectos.

O investimento concreto em defesa, por mais que tenha aumentado, ainda é muito baixo. A proporção dessa finalidade dentro do orçamento total precisa aumentar. Nesse caso, trata-se realmente de investimento, que pode dar retorno. O Brasil é o quarto maior exportador de armamento de pequeno porte, mas não figura nos quinze principais quando se soma toda a indústria bélica. Na década de 1980, o Brasil figurava entre os dez maiores exportadores do mundo. Ao mesmo tempo, uma reforma previdenciária se faz urgente no Brasil, incluindo alguns aspectos específicos da previdência militar que, hoje, podem ser considerados obsoletos. O exemplo mais conhecido é que estabelece que filhas solteiras de militares recebam pensão, um estabelecimento derivado de um contexto histórico em que mulheres não trabalhavam, não tinham como se manter.

Enquanto não é possível dizer que as verbas para defesa brasileira tenham minguado ou que exista um boicote orçamentário no tema, é claro que o crescimento da economia não foi acompanhado por igual crescimento de investimentos no tema. O Brasil, hoje, gasta mais em defesa, pois é um país com mais recursos. Gasta menos do que deveria, entretanto. Além disso, gasta mal, decorrente de legislações obsoletas e políticas infrutíferas. A modernização da defesa brasileira não passa apenas por equipamento, uma demanda que, progressivamente, é suprida; de forma vagarosa, caso o orçamento não seja ampliado. Também é necessária uma modernização legal e institucional para uma defesa moderna, consequência de um país do século XXI.

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assinaturaFilipe Figueiredo, 28 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.

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