José Ramos-Horta e Perspectivas de Paz

Amigos e leitores, lembro que o Xadrez Verbal agora também está no Twitter! Siga o perfil do blog para acompanhar e divulgar os posts, além de mais uma plataforma de interação.

https://twitter.com/XadrezVerbal

Caros amigos e leitores,

Como prometi ontem, farei um relato sobre a aula aberta proferida pelo ex-presidente do Timor Leste e Prêmio Nobel da Paz (1996) José Ramos-Horta, que falou, na última terça-feira, sobre o tema “Perspectivas de Paz para Israelenses e Palestinos”, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, e que tive o prazer e o privilégio de assistir da primeira fileira, literalmente. Gostaria de frisar que o que se segue tem o mínimo possível de perspectivas particulares minhas, é um relato das palavras interessantes de alguém que, no mínimo, tem o que contar, para que os que não puderam assistir.

Ex-presidente do Timor Leste e Prêmio Nobel da Paz (1996), Representante Especial do Secretário-Geral da ONU e Chefe do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS) José Ramos-Horta Foto: AP

Ex-presidente do Timor Leste e Prêmio Nobel da Paz (1996), Representante Especial do Secretário-Geral da ONU e Chefe do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS) José Ramos-Horta
Foto: AP

Além disso, manterei o foco no convidado, então apenas cito que também participaram do evento os professores Prof. Dra. Arlene Clemesha, Diretora do Centro de Estudos Árabes, FFLCH-USP e o Prof. Dr. Peter Demant, Professor do Departamento de História da USP.

José Ramos-Horta ocupa o cargo de Representante Especial do Secretário-Geral da ONU e Chefe do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação da Paz na Guiné-Bissau (UNIOGBIS), e parte de sua agenda na visita ao Brasil era pertinente ao cargo. Sua presença na USP foi rápida, infelizmente. Dividirei sua aula e suas observações posteriores às perguntas da plateia e as falas dos professores em quatro temas, para facilitar o acompanhamento por parte do leitor.

Desde o início, Ramos-Horta declarou não ser um especialista em Oriente Médio ou no conflito Israel-Palestina, que relataria sua experiência no Timor Leste e tentaria fazer relações e comparações para a situação no Oriente Médio. Falando sobre o Timor Leste de uma perspectiva macroestrutural, classificou tanto seu país, invadido, quanto a Indonésia, invasor em 1975, como vítimas da Guerra Fria; a Indonésia apenas o fez por saber que a conjuntura internacional favorecia pequenos conflitos, e abastecida com armamento essencialmente dos EUA e da Inglaterra.

Além disso, a bipolaridade entre as superpotências garantia uma inatividade da comunidade internacional; ninguém se arriscaria por um país “do fim do mundo” (palavras do próprio Ramos-Horta, que, bem-humorado, contou que, ao chegar ao sul do país, deve se tomar cuidado para não cair no abismo final do planeta).

Ainda nessa perspectiva macroestrutural, afirmou que a década de 1990 permitiu que a comunidade internacional focasse seus esforços no país; citou Portugal, que teria enfrentado a postura dos EUA, ameaçado se retirar da OTAN e de Kosovo e revogar as bases dos EUA em Açores. E que recusou a contradição de um tribunal especial para julgar o genocídio cometido pelos indonésios, pois isso seria julgar um “país de 3º mundo”, não as potências que forneceram aquele armamento e possibilitaram aquela situação. Ramos-Horta bateu nessa tecla sobre a responsabilidade de países que exportam armamento diversas vezes.

Em uma perspectiva microestrutural, afirmou que o fim da ditadura militar na Indonésia libertou ambos os povos; permitiu a libertação do Timor-Leste e libertou o povo indonésio de um governo opressor. Colocou que governos com ditaduras ou tons nacionalistas costumam serem os maiores empecilhos nesses processos de paz. E também tem grande importância que se evite a violência irracional; “Se nós nos tivéssemos rendido ao ódio, o mundo nos abandonaria”. Não assassinar civis, não executar prisioneiros inimigos, que o combate deve existir, se necessário (citou a morte, em combate, de Nicolau Lobato, primeiro líder da independência do Timor), mas de forma legítima. Foi isso que motivou o que citei antes, a recusa de um tribunal para julgar os indonésios. E foi isso que possibilitou o apoio internacional e uma rápida reconciliação entre seu país e a Indonésia que, segundo ele, mantém as melhores relações entre dois países em toda a Ásia, mesmo com o genocídio de entre 100 e 200 mil timorenses, de uma população de pouco mais de um milhão.

Outro ponto interessante, e que serviu de muitas comparações com o conflito palestino, foi sua abordagem da religião. Colocou o Timor como um país 90% católico. E lembrou que a Indonésia é o país muçulmano mais populoso, com mais de 200 milhões de muçulmanos. E o conflito nunca tomou contrastes religiosos; “diabolizar o Islã é uma demagogia fácil”. A reconciliação, tanto de Israel com a Palestina, como do Ocidente com o Oriente Médio, passa por evitar e combater essa demagogia e citou outros conflitos históricos que, embora tenham um contraste religioso, não são rotulados dessa forma, como os conflitos com os curdos e o conflito tamir, no Sri Lanka, lembrou também da omissão de sua igreja, a Católica, em eventos recentes. E mesmo em casos extremistas, eles devem ser trazidos para o processo político, para as negociações, quando se trata de grupos organizados. “O terrorismo é a violência pela irracionalidade”. Você pode classificar os Talibãs como “malucos”, se quiser, mas o processo no Afeganistão passou, e passa, por negociar com eles, assim como Hezbollah, Hamas, etc; só assim você arrefece o extremismo.

E como fazer isso? Como evitar demagogias, violência irracional, possibilitar reconciliações, agir de acordo com o panorama internacional? Lideranças. Um líder com visão e com força de vontade faz mais do que uma multidão confusa ou do que palavras jogadas ao vento. Citou Xanana Gusmão, “o arquiteto do Timor-Leste”, que criou um caminho de luta legítima e não demonizou o inimigo; Líderes ensinam e inspiram, condensando todos os aspectos anteriores. A independência do Timor-Leste não foi apenas conquistada, foi também concedida pela Indonésia, pois um dependia do outro para poder existir. Faltam grandes líderes, falta, como disse ontem um “ato magnânimo” de Israel, para que o conflito possa ser resolvido. Líderes são a diferença entre uma multidão e um povo.

Claro que condensei a palestra e tentei organizar minhas anotações, mas algo, infelizmente, sempre se perde. Além disso, Ramos-Horta lembrou a memória de Sérgio Vieira de Mello, que chefiou a missão da ONU no Timor-Leste, e partilhou alguns “causos” de sua vida, em tom bem-humorado, mesmo visivelmente cansado, pois tinha chegado de Porto Alegre no mesmo dia. Mas foram palavras valiosas, que em pouco menos de duas horas ensinaram mais que livros ou cursos inteiros. Espero que tenham gostado e que eu tenha ajudado a levar um pouco dessa verdadeira aula.

*****

Assim que receber algumas fotos do evento, publicarei aqui.

*****

Como sempre, comentários são bem-vindos.

Acompanhe o blog no Facebook e no Twitter e receba notificações de novos textos e posts, além de outra plataforma de interação, ou assine o blog com seu email, na barra à direita da página inicial.

6 Comentários

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.