A final da Champions League e suas paixões

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– por Thomas Dreux M Fernandes

Caros leitores, o texto de hoje é um pouco maior que o habitual, mas muito bom e muito completo. Informações históricas, análises, material direto da fonte, com entrevistas, fotografias, etc. Se relaciona a tudo que já foi dito aqui sobre a Espanha, como o último texto sobre a Galícia, e ao projeto futuro de demonstrar como o futebol não é “alienação”, como tristemente ainda se acredita; pelo contrário, o esporte é extremamente político. O texto é do meu amigo Thomas Dreux Fernandes, que já escreveu sobre a Espanha aqui no XadrezVerbal duas vezes, sobre o CESEDEN e o Valle de Los Caídos. Boa leitura, vocês vão gostar.

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Como o jogo entre Real Madrid e Atlético de Madrid pode explicitar paixões (políticas) que vão muito além dos gramados e arquibancadas.

Domingo 6h30 da manhã, andando por uma rua cheia de latas de cerveja, papel, bandeiras de plástico e cheiro de urina chego em casa depois da festa do título da Champions League que o Real Madrid conquistara algumas horas antes. Tudo começou em um bar às 18h30 do sábado, quando fui assistir à tão aguardada final entre o Atlético de Madrid atual campeão espanhol, e Real Madrid ganhador do torneio europeu outras nove vezes. Buscava justamente por um lugar onde pudesse encontrar torcedores das duas equipes. E encontrei. O bar na Calle Prim, 9, ao lado do Paseo de la Castellana, uma grande avenida que é uma continuação do Paseo del Prado. Neste por sua vez estão com menos de quinhentos metros entre elas, a Plaza de Neptuno, local de celebração dos títulos do Atlético e a Plaza de Cibelles, local onde os madridistas comemoram seus títulos e onde eu terminaria minha noite. Mas antes de mais detalhes vejamos um pouco melhor o que estava em jogo nesta partida.

IMG_7233Fundado em 1902 sob o nome de Madrid Foot-Ball Club, o Madrid tornou-se Real em 1920 quando o Rei Afonso XII, frente ao crescimento da equipe lhe deu esta alcunha e a coroa em seu emblema. Até os anos 1930 o Real Madrid crescia com muita força dentro do cenário futebolístico espanhol, seu estádio, em Chamartín já tinha capacidade para 15 mil espectadores e até 1936 conquistou quatro títulos da recém criada Liga Espanhola. Durante os tempos da guerra civil (1936-39) a equipe perdeu muitos de seus jogadores mortos ou exilados. Além disso, contava com dirigentes Republicanos o que dificultou a relação com o novo regime de Francisco Franco logo após o término da disputa. A partir de 1939 teve que se reconstruir quase do zero e viu uma década de 1940 de poucos títulos e a construção de seu atual estádio, Santiago Bernabéu.

A partir dos anos 1950 ganhou a simpatia do generalisímo justamente por se contrapor dentro de campo ao “rebelde” e catalão Barcelona e por ser no futebol uma boa maneira de propaganda do regime. Naquela década formou-se uma das maiores equipes de sua história, contando com Di Stéfano e Ferenc Puskás. Muitos afirmam que o clube madrilenho só conseguiuu formar tal equipe graças ao apoio do general Franco e do regime ditatorial, porém não se pôde comprovar nada até hoje. Na segunda metade do século XX, o Real Madrid se consolidou como um dos maiores times de futebol do mundo e hoje conta com o maior orçamento do planeta.

O Atlético de Madrid foi fundado em 1903 por estudantes bascos que tinham ligações com o Atlhetic Club de Bilbao. Até os anos 1930 a equipe acumulou algumas conquistas, mas sem tanto êxito quanto o rival Madrid. Com o inicio da Guerra Civil, o Atlético também perdeu jogadores para o front, alguns morreram outros se feriram e inclusive um deles, Ramón Gabilondo, foi médico nos dois lados da disputa. Ao final da guerra o clube se chamava Atlhetic e então por problemas financeiros e também por conta do rebaixamento no ano anterior passou-se a chamar Club Atlético Aviación. Uma fusão que resultou na incorporação de jogadores que vieram de uma equipe de aviadores falangistas criada em 1937 e que durante a guerra disputaram campeonatos militares. Naquele momento a equipe do manzanares servia de ferramenta de publicidade do regime franquista.

Após a contenda a equipe rojoblanca contou durante alguns anos com ajuda financeira e política do regime franquista, mas a partir de 1943 deixou de receber ajuda do governo. Em 1947 o clube encerrou o acordo com os aviadores e voltou a chamar-se Club Atlético de Madrid. Até hoje alterna momentos bons e não tão bons dentro de campo. Nos últimos cinco anos tem acumulado títulos.

Nos últimos anos se tornaram recorrentes casos de racismo e xenofobia no futebol europeu e em especial no futebol espanhol. Explicitando uma outra faceta do esporte onde questões sociais e políticas se fazem presentes. O caso em que Daniel Alves, jogador brasileiro do Barcelona, comeu uma banana atirada contra ele em uma partida contra o Villareal ganhou notoriedade,  poucas semanas depois outro caso chamou atenção. Desta vez torcedores do Atlético de Madrid xingaram um jogador do Levante de macaco, o caso mais recente é de uma mulher, funcionária do museu do Barcelona, que imitou um macaco após o atacante negro da equipe adversária marcar um gol.

Em uma pesquisa realizada em 2007 pelo CSI, Centro de Investigaciones Sociólogicas, mostrou que o Real Madrid é o time que conta com a torcida mais “à direita” da Espanha. Enquanto que a torcida do Atlético de Madrid está um pouco mais à esquerda que os merengues, mas não tanto como é geralmente difundido. Na média geral são os torcedores do Barcelona e Atlético de Bilbao os que estão mais à esquerda no espectro político.

Porém, os extremos chamam muita atenção para algumas diferenças entre duas torcidas. Enquanto o clube rojoblanco tem o maior número de torcedores de extrema esquerda (13,4%), mais do que o próprio Barcelona, e o menor número de extremistas à direita (1,2%). A equipe do Santiago Bernabéu conta com o menor número de extremistas à esquerda (5%) e o maior à direita (2,7%). Isso não quer dizer que a torcida do Real Madrid é em números totais direitista, pois a própria pesquisa explica que a cada “ultra” (denominação dos torcedores organizados) de direita existem dois torcedores comuns de esquerda uma vez que os Ultras foram uma pequena parte de toda a torcida.

Tais números ajudam a explicar como a torcida organizada madridista conhecida como Ultrassur conta com skinheads neonazistas entre seus membros e com grande poder de influencia e decisão. Assim como a torcida organizada do Atlético, conhecida por Frente Atlético, também conta com membros de extrema direita que promovem atos de violência, xenofobia e racismo.

A história dos Ultrassur como descreve um jornalista espanhol sob o pseudonimo de Antonio Salas no livro “Diario de un skin”, se mescla com a história do neonazismo em Espanha. Após mais de um ano infiltrado no movimento skinhead neonazi espanhol o jornalista pôde verificar como o tal movimento possui ramificações na cena musical, política e esportiva dentro do país, com alguns dos principais líderes do movimento inseridos em torcidas organizadas. No futebol são muitos os membros neonazis na torcida madrilenha e onde “se pode encontrar os neonazis mais veteranos de Madrid”. A torcida surgiu em 1980 a partir de um grupo dissidente de outra torcida merengue conhecida por Las Banderas, desde aquele momento os Ultrassur já se tornaram conhecidos por sua violência e intolerância envolvendo-se em diversos casos de confrontos com torcidas de outras equipes espanholas ao longo dos anos 1980 e 90.

Como fica claro em um documentário baseado nas imagens que o jornalista obteve a partir de uma câmera escondida enquanto fazia as investigações para a confecção do livro, até o inicio dos anos 2000, os Ultrassur contavam com a apoio do clube de Chamartín onde possuíam uma pequena sala para guardar suas bandeiras e faixas com símbolos nazistas. Além de receberem entradas grátis do clube para que vissem as partidas, mas que não poderiam ser vendidas, ainda assim os torcedores as vendiam e assim conseguiam aumentar suas receitas. O trabalho do jornalista também mostra como se dava a sistemática de agressões em torno do estádio onde os membros do grupo neonazi buscavam por torcedores de outras equipes, principalmente aquelas mais identificas à esquerda como Osasuna, Atlhetic Bilbao o Rayo Vallecano, assim como negros, imigrantes ou homossexuais.

De acordo com “torcedores comuns” do Real Madrid, hoje o clube não fornece mais entradas para a torcida, assim como não disponibiliza um espaço para que eles possam guardar suas faixas e bandeiras dentro do estádio o que faz com que os Ultrassur não possam levar seus símbolos nazistas, mas não que estes tenham menos influencia e força dentro do estádio, especialmente cantando e incentivando a equipe. Ao tentar entrevistar um atual membro da torcida madridista obtive a seguinte resposta em bom espanhol: “Joder!!Ahora mismo me pilla mal. Y después de todos los topos que han entrado imposible contestar a preguntas. Han pasado muchas cosas, no se puede hacer nada”[1]. O que claramente expõe uma enorme preocupação em disponibilizar informações sobre a peña e reforça a ideia de que ainda existem membros do movimento neonazi, mas que agora não se caracterizam mais como skinheads e sim casuals, indivíduos com a mesma ideologia, mas sem as roupas e outras formas de caracterização pessoal. Outros torcedores “comuns” afirmam que a torcida está passando por uma disputa interna onde de um lado há uma nova geração que busca mudar um pouco a inclinação nacional-socialista, inclusive, na última temporada no dia da partida contra o Real Sociedad houve uma briga entro membros Ultrassur em um bar próximo ao estádio do Real Madrid.

A história da torcida Frente Atlético se assemelha de muitas maneiras com a madridista, ainda que de uma maneira geral a torcida do Atlético esteja um pouco mais esquerda. De acordo com a própria página oficial da torcida o grupo surgiu em 1969 de forma espontânea agrupando diversos torcedores da equipe e também desde o princípio se insere em conflitos e se orgulham de sua violência e intolerância. Na mesma página é possível ver fotos de suas faixas, bandeiras e outros símbolos de extrema-direita. Uma breve entrevista com um membro desta torcida, que concordou em falar comigo vai deixar mais claro o funcionamento ideológico não só desta, mas das duas torcidas. Vale dizer que o torcedor só aceitou a entrevista caso seu anonimato fosse garantido:

Cuál es la relación que hay para usted entre el fútbol y la política? Usted lleva de alguna manera sus ideologias políticas para la grada?

Si, hay una relacion entre futbol y politica. Un chico de izquierdas no podria estar en el Frente Atletico porque seria rechazado. Para entrar al Frente es necesario primero ser del Atletico, segundo Antimadridista… y tambien es necesario no ser de izquierdas. Los aficionados de izquierdas y del Atletico, se van al grupo Bukaneros (Rayo Vallecano). Actualmente no esta permitido entrar al futbol con simbolos politicos a la grada, bajo sancion por la Ley del Deporte, que sanciona cualquier simbologia politica en el futbol. llevar una totenhomf por ejemplo, lleva una sancion de 3000€.

Usted se define politicamente como (derecha, izquierda, centro)?

Yo, personalmente, de derechas.

Como usted ves los casos de racismo y xenofobia en el fútbol?

No creo que exista Xenofobia en el futbol… Por ejemplo, mi grupo canta “ea ea ea puerta se marea[2]” en los partidos contra el Sevilla, para DESASTABILIZAR al rival, o “Aitor listillo devuelveme el cuchillo[3]” contra la Real Sociedad igual, para desastabilizar al rival. No creo que se por otro motivo.

Que piensas usted de aquellos que afirman que en la peña “Frente Atlético” hay skinheads nazistas? Es verdad? Si no, porque crees que hay este tipo de rumor?

Ya no existen skinheads en España. ahora se lleva el movimiento casuals. El skin heads era de la epoca de los 90, y vestia con indumentaria propia de un skin head: botas, tirantes, pelo rapado… Actualmente y debido principalmente a la policia es mejor llevar estetica casual, para que a la policia le resulte mas dificil identificar a un skin head.

Que piensas usted de la peña Ultrassur?

Que son unos copiones de nosotros. Ademas me parece lamentable que actualmente, el lider de Ultras Sur, “El niño” sea del Atletico como el mismo reconoce. Este chico, hace 10 años estaba en el Frente Atletico…. Y lo de copiones lo digo porque siempre se estan fijando en nosotros de todo los tifos que hacemos o que material sacamos para poder sacarlos ellos. Ya lo dice nuestra cancion “Hay un lema en la puta pocilga, que es el lema de los Ultras Sur, que ES COPIAR TODO LO QUE HACE EL FRENTE, demostrando lo tontos que son”.Un saludo y gracias. Forza Atleti, y Viva España.

IMG_7276Sozinho, de joelhos e chorando. Através da janela do bar eu poderia ver um solitário torcedor do Atlético que já não aguentava assistir aos minutos finais do segundo tempo, enquanto do lado de dentro o bar estava tomando por uma euforia sem fim, copos se estilhaçavam, garrafas saltavam das mesas, quadros caiam da parede. O Real Madrid havia acabado de empatar a partida que estava nos acréscimos e tinha até ali como vencedor o valente Atlético. Aquele torcedor solitário do lado de fora parecia sentir que sua equipe não aguentaria os próximos trinta minutos de prorrogação. Daí pra frente o Madrid se impôs com força e levantou o título aumentando a euforia que já não cabia dentro do bar e tomava as ruas da cidade.

Fui a um bar porque queria sentir isso, a tensão, a emoção, a ansiedade, os nervos de uma partida tão grande e decisiva como essa. O lugar que escolhi era pequeno, simples e autenticamente madrilenho. Tirando eu, minha namorada e um pequeno grupo de ingleses todos os outros ali presentes eram espanhóis. A maior parte torcendo pelo Real Madrid. Alguns minutos antes do início do jogo a disputa territorial dentro do bar aumentou, todos queriam garantir seu lugar para ver a partida. Ao mesmo tempo, os cânticos dos torcedores aumentavam. Motivado por manifestações contra o presidente Rajoy no momento em que este apareceu na televisão e gritos contra o Osasuna, que nem estava na disputa, fui conversar com um grupo de torcedores, do Atlético e do Real Madrid.

O que queria era ver se o que tinha lido sobre as tendências políticas dos torcedores se aplicava. E a partir do apurei, a posição política dos torcedores “comuns” explica bem o porquê da conivência com a presença de neonazis nas duas torcidas. Rubén Sérgio, torcedor do Real Madrid diz: “Yo soy de derecha. Se ve que en el fútbol las hinchadas son de una ideologia política, sobretodo los Ultras. Estos son una minoria en comparación con lo restante. Los de Atlético de Madrid son mucho de derechas, la Frente Atlético”. Já Daniel Serrano, torcedor do Atlético se defino como “[…] de centro-derecha” e ao ser indagado sobre os casos de racismo no futebol espanhol disse “Esto está mal. El racismo es algo que hay que erradicar”, porém não soube dizer o que fazer com os casos de racismo no futebol.

Enquanto entrevistava estes dois torcedores fui interrompido por outros dois, um do Atlético e outro do Real Madrid, muito solícitos concordam em participar da entrevista. Vale acompanhar parte da conversa com eles que aqui transcrevo, começa falando Daniel Lepe, torcedor do Real Madrid que se define como derecha un poco más allá. Se fuera ultra-derechista a lo mejor no hablaría con usted porque es estranjero. No soy muy radical”:

– “El fútbol esta politizado demás. Pero la culpa toda es del Barça”

– Por el separatismo?

– “Eso también, y lo que deverian hacer con ellos? Una valla bien grande, como la de los moros[4]”

Já José Luís Martí, torcedor do Atlético e que se define como “centro-izquierda” acredita que:

– “Si que hay una relación entre el fútbol y la política porque los extremos, la Frente Atlético y los Ultrassur son de extrema derecha”.

– “Estos son nazis,nazis,nazis. Esta gente no le gusta el fútbol, le gusta a pegarse”.

– E por el racismo? Que piensan vosotros?

– “El racismo es una vergüenza. Es una vergüenza que en el siglo XXI hay gente que piense que es mejor que el otro por el color de su piel”.

– “A mi ese parece que no esta bien, pero también no está bien que una equipo de España tenga 80% de personas que no son de aquí”.

– Deberían hacer como el Atlhetic Bilbao?

– “Los de Atlhetic Bilbao no son españoles ninguno, estos son vascos. Porque cojones pode vir un negro que viene de afuera ganar una pasta y tener una casa que flipas y un negrito de la cantera no?”

– “Porque juega bien el futbol”.

– “Pero, es un puto negro igual”.

Pouco depois da entrevista começa o jogo e os quatro torcedores assistem ao jogo lado a lado. Em alguns momentos houve um pouco de tensão e algumas discussões entre os que estavam ali pelo Atlético e os madridistas. Durante o jogo pude perceber como a política, identidade nacional, regional e ideologia estão envolvidas com o futebol, alguns comentários expõe claramente isso, um torcedor do Real gritou “Vasco hijo de puta” quando Gabi, jogador do Atlético e nascido no País Vasco cometeu falta em Di Maria, jogador argentino. Em seguida outro torcedor madridista grita “Puta Astúrias” quando a transmissão focaliza uma bandeira da Comunidade Autônoma de Astúrias. Ou ainda “Simeone mafioso de mierda” em referência ao treinador argentino.

Com a confirmação da vitória do Real Madrid no segundo tempo da prorrogação os torcedores já se preparavam para a festa na Plaza de Cibelles. Assim que o juiz apitou o final do jogo fui em direção a praça, estava a poucos quarteirões dalí e em menos de dez minutos cheguei ao lugar da celebração. Movimentada mas ainda sem estar lotada a festa conservava poucos aspectos de uma comemoração autêntica. Na praça já havia uma enorme estrutura montada com palco, passarelas para desfile dos jogadores, iluminação, espaço para fotógrafos e cinegrafistas, aparelhagem de som, mas este ainda desligado permitia que se ouvisse os cânticos da torcida, um me chamou atenção por definir a desproporção do Real Madrid dentro da Espanha e Europa “Como no te voy a querer! Como no te voy a querer…se fue campeón de Europa por la décima vez!”.

Daí pra frente a comemoração se transformou em uma enorme balada na rua, música eletrônica, muita cerveja, turistas, estrangeiros e pessoas tirando suas próprias fotos na festa (selfies). Além de outros que me pediam para fotografá-los no evento, talvez pensando que fossem sair em algum grande jornal do dia seguinte. Por outro lado, senti falta das canções de futebol e bandeiras do Real Madrid. Não faltou proteção policial cercando a fonte no meio da praça e fazendo uma revista em todos que fossem acessar ao perímetro da festa, mesmo assim eram frequentes as pequenas explosões de rojões e sinalizadores o que eu, particularmente, gosto.

Finalmente às 6h da manhã os jogadores chegam à praça no topo do ônibus branco carregando “La décima” a multidão de aproximadamente 80 mil pessoas que já demonstrava sinais de cansaço volta a se animar e canta sem parar. O dia já estava nascendo quando Iker Casillas e Sérgio Ramos sobem na estátua de Cibelles para, como manda o figurino, colocar o cachecol e a bandeira espanhola. Depois disso o ritual estava completo e os torcedores poderiam voltar para casa satisfeitos.

Colocar a bandeira espanhola na estátua de Cibelles. Este último ato da festa com um forte apelo simbólico em uma Espanha marcada pelo separatismo e regionalismo me fez pensar em algumas coisas e depois de vivenciar tudo isso, pesquisar a história das duas equipes, a presença neonazi em suas torcidas, ver de perto a intolerância, incoerência e hipocrisia de muitos de seus torcedores – que são contra estrangeiros nas equipes espanholas, mas comemoram um título quando seu time tinha apenas quatro espanhóis em campo – e também a força das nacionalidades regionais na Espanha. Não há como não pensar nisso tudo se mistura com o futebol e torna tudo ainda mais complexo. Concluo com algo óbvio, futebol é muito mais que um esporte, muito mais do 22 jogadores e uma bola, na Espanha e em qualquer lugar, talvez por aqui isso fique mais explícito pela forte polarização política que há na sociedade espanhola, mas o ponto que quero ressaltar é a discussão política deve estar presente em todos os espaços de convivência e não só na esfera política como se tivéssemos nossas vidas compartimentadas como editorias de jornais. Sem entrar no mérito esquerda x direita, mas pensando em algo que ganhou muito destaque nas últimas semanas. Se um indivíduo é racista ou xenófobo na arquibancada de um estádio ou em um bar assistindo a um jogo, ele também será no seu ambiente de trabalho, com a sua família e amigos e isso tampouco é tolerável. Mas porque será que nos indignamos e mobilizamos tanto com a intolerância no futebol e tão pouco com o que vemos todos os dias?

Por fim uma última reflexão de cunho pessoal, eu tenho simpatia e estava torcendo sim pelo Atlético de Madrid, por se contrapor ao gigante Real Madrid, por seu estilo de jogo lutador, por achar a camisa mais bonita e por ver uma torcida incrivelmente apaixonada e que sofre muito. Mas por mais que eu estivesse ao lado dos rojoblancos, o que senti não chega nem perto do que eu sinto pelo meu Palmeiras. Pode ser na série B, na Libertadores, na disputa de um título, onde for. É impossível vibrar por algum outro time como vibro pelo Palmeiras.

[1] “Porra!! Agora sem chances. Depois de todos os infiltrados que entraram é impossível responder a qualquer pergunta. Aconteceram muitas coisas e não há nada que eu possa fazer”.

[2] Referência ao jogador do Sevilla Antonio Puetra que em 2007 passou mal durante uma partida da equipe e no mesmo dia morreu no hospital, resultado de uma série de paradas cardíacas.

[3] Referência à morte de um torcedor da Real Sociedad em 1998 perto do estádio Vicente Calderón, supostamente assassinado por um membro skinhead da peña Frente Atlético.

[4] Referência à Valla de Mellilla, fronteira espanhola no Marrocos. Vale ressaltar que a palavra “moros” é uma maneira pejorativa de referir-se aos arábes

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Thomas Dreux M Fernandes é graduado em Jornalismo e em História, exerce um pouco dos dois. Escreve para colocar as ideias em ordem. Acredita que as coisas não devem permanecer assim e que o otimismo é o caminho.

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4 Comentários

  • Tava indo bem até o último parágrafo.

  • Fejs, tive uma impressão um pouco diferente diante dos relatos…acho que hj o futebol foge um pouco da política. As manifestações racistas e xenofóbicas são exposições do q ocorre com o povo em geral, e não com uma torcida específica, e acho que nem está ligado diretamente com o futebol…o futebol é só mais um meio de expor isso. Vc msm mostrou no texto q não é uma ideologia específica que define as torcidas, em geral, e mto menos os times. Acho que estamos nos afastando disso e tdo está ficando mto mais comercial, inclusive o sentimento de alguns torcedores. O corinthians não é mais o time do povo, por exemplo…nem o time que clama por democracia. Tudo é mto superficial no futebol profissional…e mto machista. O que tem me afastado ligeiramente de tdo isso…

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