Catalunha: o separatismo catalão pode estar à beira do radicalismo.

– por Thomas Dreux M Fernandes

A Catalunha, o nacionalismo catalão e seu separatismo já foram tema do Xadrez Verbal outras vezes, neste texto falarei um pouco mais do assunto, tentarei ao máximo não ser repetitivo. O que pretendo é trazer dados e reflexões sobre o referendo que ocorreria no próximo dia 9 de novembro com objetivo de consultar a população catalã sobre sua vontade de se tornar um estado independente da Espanha, já explico porque ele não ocorrerá.

Foto do autor

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Antes, é válida uma breve contextualização. A região da Catalunha está na fronteira nordeste da Espanha com a França, sua identidade histórica e cultural vem desde século XII quando era um condado carolíngio, passou a fazer parte do Reino da Espanha em 1556. No século XIX surge um movimento nacionalista catalão que carrega como principal data política o dia 11 de setembro de 1714, quando, na esteira da Guerra de Sucessão Espanhola (1702-1714 – com a morte prematura de Carlos II rei da Espanha as duas principais dinastias europeias, Bourbons e Habsburgos disputaram a sucessão do trono espanhol) a cidade de Barcelona em oposição a Felipe V, proclamou em 1713, sua resistência armada à nova Coroa Espanhola. O resultado foi quase um ano de sítio à cidade e a capitulação no dia 11 de Setembro do ano seguinte. Com isso, o absolutismo foi implantado, a constituição catalã abolida, assim como diversas de suas instituições. Colocando os territórios espanhóis sob as leis do reino de Castilla. 

Ao longo do século XX o separatismo e nacionalismo catalão se fortaleceram em torno de diversos partidos políticos e organizações. Entre eles o pioneiro Estat Català (Estado Catalão) que hoje é mais um representante histórico do que político, a Esquerra Republicana de Catalunya que defende a independência catalã e conta com uma filial francesa, é um dos partidos mais radicais, a Convergència Democràtica de Catalunya, maior partido da região, defende a autonomia total catalã e o Unió Democràtica de Catalunya, que defende a autonomia da Catalunha, por fim a Iniciativa per Catalunya Verds o partido verde local. No início do século XXI surgiu a CUP – Candidatura de Unidad Popular, o partido mais à esquerda. Todos eles juntos detém 84 cadeiras de um total de 135 no parlamento regional. É preciso destacar também as diversas ações civis em prol da causa catalã que cada dia mais tem reunido a população (como o blog parceiro desse espaço, Da Catalunha para o Mundo)

No dia 12 de dezembro de 2013 o governo catalão anunciou que o dia 9 de novembro de 2014 seria a data para a realização de um referendo sobre a independência da região. Poderão participar da consulta todos os maiores de 16 anos de idade residentes na Catalunha e que se encontrem na comunidade autônoma no dia da votação. Ao todo serão 700 colégios eleitorais em toda o território catalão, abertos das nove da manhã até as oito da noite. Já estão impressas as cinco milhões de cédulas de votação e os funcionários das seis mil mesas de votação serão voluntários que se alistaram junto ao governo catalão. Ao todo serão mais de 20 mil pessoas trabalhando na consulta.

Entretanto, os acontecimentos das últimas semanas fizeram com que a consulta soberanista não tenha garantias legais para acontecer. Isso se deve ao fato de que o governo Espanhol, com sede em Madrid, por meio de um recurso junto ao Tribunal Constitucional, suspendeu cautelarmente o referendo. Dessa forma o Governo Catalão presidido por Artur Mas, líder da Convergència y Unió (união de dois partidos nacionalistas da direita moderada Catalã: Convergència democrática da Catalunya e Unión Democrática da Catalunya) propôs uma alternativa que consiste em um processo de participação cidadã com o objetivo de conhecer a opinião da população catalã sobre o futuro da comunidade. Ou seja, o catalães responderão às mesmas perguntas caso o referendo tivesse validade constitucional. São elas: “Você quer que a Catalunha seja um estado?” e “Em caso afirmativo, um estado independente?”. Para que essa possibilidade se realize Mas, pediu pelo apoio dos demais partidos independentistas, a Esquerra Republicana de Catalunya, a Iniciativa per Catalunya Verds e CUP – Candidatura de Unidad Popular.

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A alternativa proposta pelo atual governo catalão é uma busca pela manutenção da data 09/11 como um dia simbólico e importante na luta da Catalunha por sua soberania, mesmo que não tenha valor constitucional, se transformando em uma jornada de protestos que marcariam a luta pelo direito de autodeterminação. Porém, as disputas internas do próprio governo catalão e as diversas correntes políticas dentro da comunidade autônoma tornam o ambiente político na região bastante agitado e imprevisível. Nos últimos dois dias os partidos de oposição dentro da Catalunha declararam apoio ao atual governo catalão e sua intenção em realizar o processo de participação popular, entretanto, Esquerra, Iniciativa e CUP não abriram mão de que as eleições para o Parlamento Catalão ou Generalitat sejam realizadas em até três meses.

O objetivo de Oriel Junqueras, líder da Esquerra e de outros líderes independentistas, é pressionar o atual presidente do governo catalão com o adiantamento das eleições parlamentares para o dia 25 de janeiro de 2015,  para que então os partidos independentistas possam obter a maioria absoluta na Generalitat (Parlamento Catalão) mais rapidamente e possam então declarar a independência catalã frente a Espanha, que hoje liderada por Mariano Rajoy (PP – partido de centro direita) não faz nenhum movimento em direção ao entendimento das demandas catalãs. Novamente o que pretendem os líderes catalães é aproveitar o momento histórico para que o processo de independência e autonomia se concretize. Quando se fala em “momento histórico” vale destacar que tais lideranças se aproveitam da crise econômica pela qual passa a Europa desde 2008 e que trouxe sérios problemas econômicos e sociais para Espanha para reforçar o sentimento nacional catalão, nas palavras de Junqueras: “Hay mucha gente en nuestro país que está en el paro y ya no podemos perder el tiempo. Estamos conjurados para hacer unas elecciones lo antes posible”.

Entretanto, Artur Mas até agora não deu sinais de que adiantará as eleições parlamentares catalãs e por enquanto parece querer ganhar tempo. Isso ocorre, pois não está claro para Mas e para CiU que terão o apoio dos demais partidos independentistas na criação de uma lista unitária de deputados e também não parecem apoiar a liderança de Mas em um próximo mandato no parlamento, sem uma lista unitária Mas e a CiU perderiam a liderança. Além disso a CiU perdeu muito de sua popularidade devido a um recente escândalo de corrupção envolvendo o líder histórico do partido e presidente da Generalitat durante muitos anos Jordi Pujol e sua família. 

O cenário político é bastante movimentado e as condições tem mudado dia após dia. Acredito que Artur Mas terá que ceder e adiantar as eleições para janeiro de 2015 justamente para que a unidade política independentista catalã seja mantida, mas isso com um alto preço político para o CiU. Mesmo com a declaração dos independentistas de que caso eles vençam as eleições o parlamento deve proclamar a independência frente a Espanha imediatamente, é difícil saber se os partidos independentistas terão de fato maioria absoluta no parlamento catalão. De toda forma é uma proposta bastante ousada e que aponta para um radicalismo do lado catalão. Penso que dentro do atual contexto espanhol, com um governo central bastante conservador como é o caso de Mariano Rajoy e do PP, pouco se avançaria na questão da soberania catalã se a luta se basear somente nos termos constitucionais como quer Rajoy. Assim, enxergo a ação das lideranças catalãs como uma tentativa de fortalecer a luta pela independência em um caminho onde não se aceita mais o compasso de espera. As próximas semanas e meses prometem muita tensão e provavelmente mudanças, ou a Catalunha conquistará o que pede a anos ou o independentismo terá uma derrota legal e política bastante expressiva. Que o governo de Rajoy saiba lidar com as demandas catalãs de maneira madura e racional.

Em breve, aqui nesse espaço, uma compilação de conversas e entrevistas com espanhóis, moradores da Catalunha e de outras regiões, sobre a independência catalã.

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fejaoThomas Dreux M Fernandes é graduado em Jornalismo e em História, exerce um pouco dos dois. Mestrando em Humanidades. Escreve para colocar as ideias em ordem. Acredita que o otimismo é o caminho para mudar. Email: thomas.dreux.fernandes@gmail.com. Textos de autoria de Thomas Dreux.

 

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