Política externa dos EUA: Bush, Obama e a paz no Oriente Médio

– Por Marcelle Pujol

Caros leitores do Xadrez Verbal, é com orgulho que anuncio mais uma colaboradora aqui no nosso espaço, alguém que veio dos ouvintes do podcast, a internacionalista Marcelle Pujol. Espero que gostem.


 O Oriente Médio é peça fundamental na política externa dos Estados Unidos, devido principalmente aos interesses geopolíticos e econômicos que a região representa para esse país. A complexidade e a instabilidade lá constantes, representam – sem exceção – um desafio para os governos norte-americanos, tendo um impacto direto na sua dinâmica política.

A questão Israel-Palestina é particularmente representativa dessa conjuntura e os Estados Unidos possuem especial interesse no desenrolar desse conflito, uma vez que ele é fonte de instabilidades e que envolve a segurança do seu principal parceiro: Israel. Não por casualidade, o país norte-americano esteve engajado nas principais conversas e negociações de paz entre israelenses e palestinos. Entre outros, engajaram-se: na Conferência de Madrid, em 1991, organizada pelo então presidente George H. W. Bush; nos Acordos de Olso, em 1993, liderados por Bill Clinton (e que rendeu o Nobel da Paz para Shimon Peres, para Yitzhak Rabin e para Yasser Arafat); nos Acordos de Camp David, em 2000, também incentivados por Bill Clinton.

Os esforços mais recentes culminaram no The Road Map for Peace, a partir de 2002, e foram impulsionados pelo governo de George W. Bush no auge da Guerra Global contra o Terrorismo e no desenrolar da Segunda Intifada. O Road Map foi literalmente um roteiro, onde fases e processos foram estabelecidos para que, através do empenho dos líderes israelenses e palestinos e do acompanhamento do Quarteto (EUA, Rússia, União Europeia e ONU), se chegasse ao fim do conflito e se solucionassem as diversas questões que o circundam. O roteiro terminaria com a criação de um Estado Palestino já em 2005.

O contexto de então se mostrou favorável para esses esforços, pois havia uma comoção e um engajamento, tanto no seu âmbito doméstico, como no externo, para a luta contra o terrorismo. A concretização da paz apresentava-se como algo estratégico para os Estados Unidos, já que, entre outros: permitiria a integração econômica da região no contexto da globalização; abriria espaço para a normalização do relacionamento de Israel com seus países vizinhos e, dessa forma, seria uma base sólida para Washington concretizar seus interesses de expansão em direção à Ásia Central e sobre o petróleo da região; reduzir-se-ia o apoio a grupos terroristas como a Al-Qaeda, ao mesmo tempo em que facilitar-se-ia a formação de uma coalizão internacional contra o terrorismo, que poderia vir a incluir até mesmo países como Síria e Irã.

Entretanto, o Roteiro para a Paz não alcançou resultados concretos. A situação entre Israel e Palestina se deteriorou e veio a piorar quando o Hamas tomou o poder na Faixa de Gaza e forçou a retirada das forças de segurança do Fatah, que passou a ter o controle dos Palestinos sobre a Cisjordânia. Em novembro de 2007, como parte do último esforço de Bush, reuniram-se, na Conferência de Annapolis, Ehud Olmert, o então primeiro-ministro israelense, e Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina.

Os resultados foram positivos e havia um otimismo em torno da questão, pois ambos os líderes pareciam dispostos a retomar as negociações dentro do Road Map. Esse sentimento não durou muito: em dezembro de 2008, Israel deu início à uma nova ofensiva militar em Gaza e Benjamin Netanyahu – do partido conservador Likud e crítico das negociações de paz – foi nomeado novo primeiro-ministro.

A eleição de Obama trouxe consigo uma grande expectativa em torno da questão. O governo anterior terminara com um grande desgaste e a “smart politics” de Obama parecia que daria início a uma abordagem renovada, especialmente para o mundo Árabe. Mas, mesmo com as diversas declarações realizadas pelo novo presidente criticando inúmeras práticas israelenses sobre a Palestina, não se logrou nada além de conversações diretas entre Abbas e Netanyahu. A última delas ocorreu em 2014 e foi seguida pelo anúncio de um governo de coalizão entre Fatah e Hamas – que não foi aceita por Israel – e por uma nova ofensiva do exército israelense em Gaza. Não se conseguiu retomar o Roteiro para a Paz e nem mesmo se estabelecer uma nova proposta de solução para o conflito.

As inúmeras tentativas, porém, em ambos governos, estiveram e seguem a estar condicionadas a empecilhos: as divisões e as oposições domésticas tanto entre os israelenses, como entre os palestinos, com a presença de muitos grupos contrários a um processo de paz e o uso frequente da violência como meio de expressão; a questão ainda sem solução do status da cidade de Jerusalém e sua divisão; os refugiados palestinos e o seu retorno à Palestina; o reconhecimento mútuo entre os Estados de Israel e Palestina, bem como a manutenção e expansão dos assentamentos judaicos em territórios ocupados por Israel, que vão além dos seus limites originais, estabelecidos pela ONU.

A própria dinâmica da política doméstica dos EUA também se apresenta como empecilho. Pode-se destacar a presença de um forte lobby israelense e de um Congresso com alta influência na formulação da política externa estadunidense, bem como impasses diversos entre os poderes Executivo e Legislativo.

O relacionamento entre Israel e EUA gera uma forte preocupação pelos governos em reiterar, independentemente de qualquer coisa, a sua continuidade. Israel é o principal parceiro comercial dos Estados Unidos e é o país que mais recebe ajuda financeira e militar deste. A estrutura de poder política dos EUA, por sua vez, não possibilita mudanças nesse sentido, já que os grupos pró-israelenses possuem uma atuação intensa e constante que visa manter esse relacionamento. A atuação do lobby de Israel, nesse sentido, acaba favorecendo Israel no conflito, já que mantém sua superioridade militar e não permite uma oposição real às ações ilegais de Israel nos territórios palestinos ocupados.

Do mesmo modo, a centralidade da luta contra o terrorismo é constante e limitadora, à medida em que restringe a atuação da ANP – sobre a qual demanda-se uma ação mais firme no combate aos grupos extremistas palestinos – e em que justifica, sob o direito de autodefesa, as operações militares israelenses em territórios palestinos. A própria defesa da liberdade e da democracia – parte do conhecido excepcionalismo dos Estados Unidos – é uma contradição, à medida em ao mesmo tempo em que realizam esse discurso, apoiam regimes autoritários no próprio Oriente Médio.

Não há, ainda, suficiente apoio à ANP para que desenvolva as bases para a construção de um Estado Palestino democrático; a situação da população civil da Faixa de Gaza leva a mesma a eleger, democraticamente, o governo de um grupo considerado terrorista, o Hamas. A própria democracia israelense, por outro lado, pode ser questionada, já que são inúmeras as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos palestinos em Israel.

Os discursos e as críticas dos presidentes e líderes estadunidenses não se refletem em ações práticas. No âmbito da ONU, por exemplo, os Estados Unidos historicamente votam contra as resoluções quando se tratam de críticas às práticas israelenses, alegando que somente conversações entre as partes podem levar a resultados e à paz. O país votou contra até mesmo da resolução que reconheceu a Palestina como Estado não-membro observador da ONU. Assim, ao invés de buscar nessa organização uma alternativa para os impasses das negociações diretas, os Estados Unidos acabam por desqualificar e anular a atuação da mesma.

Por fim, nem mesmo o discurso estadunidense e as tentativas de paz conseguiram grandes mudanças no sentido de limitar as práticas israelenses – com consequências diretas sobre a população civil palestina –, nem mesmo no sentido de diminuir ou eliminar o terrorismo praticado por grupos terroristas palestinos contra o Estado de Israel e com consequências diretas para a população civil israelense. Enquanto isso, até 2014, 25 mil judeus e 91 mil árabes/palestinos mortos, 36 mil judeus e 68 mil árabes/palestinos feridos e alguns milhões de refugiados palestinos não parecem ser suficientes perdas a ponto de se vencerem os obstáculos que impedem avanços práticos em direção a um processo de paz definitivo.


marcelleMarcelle Pujol é graduada em Relações Internacionais pela ESPM Sul de Porto Alegre e tem especial interesse nos temas de Política Internacional e de Direito Internacional. Atualmente é aspirante à carreira Diplomática.

 

 


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