ONU 70 anos: Raúl Castro e a quimera em forma de promessas

Caros leitores, prosseguimos a cobertura especial da 70ª Assembleia Geral da ONU, com algumas análises dos pronunciamentos de ontem, a abertura. Você pode acessar todos os textos publicados (e os com publicação agendada) no índice da cobertura especial. Hoje, terça-feira, dia 29 de setembro, a expectativa maior é para os discursos de Colômbia e de Venezuela, considerando a tensão fronteiriça entre os dois países. Seguimos o dia, que iniciou com análise comparada sobre Obama e Putin; agora, o tema é o discurso de Raúl Castro, de Cuba.
Outro discurso importante na Assembleia Geral da ONU ontem, segunda-feira, foi o de Raúl Castro, Presidente de Cuba. Foi a primeira vez que Raúl Castro falou na ONU, sendo que se tornou presidente cubano em 2006, outra demonstração do simbolismo dos setenta anos da AGNU. Como comparação, seu irmão mais velho, Fidel, adorava a tribuna da ONU. Foi ali que fez alguns de seus principais discursos, da década de 1960 até o século XXI. Em 2015, Raúl Castro pode suprir um papel muito celebrado pela mídia, que foi ocupado por Pepe Mujica em 2014: o do discurso passional, pessoal, franco, fora dos protocolos e das declarações pasteurizadas. Com todos os méritos e defeitos de uma fala como essa.
Lembrou que, setenta anos atrás, os povos assinaram a Carta das Nações Unidas. E ela foi constantemente ignorada desde então. Guerras de agressão, imperialismo, intervenções internas, golpes brancos, recolonização não convencional, violações de direitos humanos, militarização, submissão de países em desenvolvimento, o sumiço dos países insulares pelo aumento do nível dos mares causado pelo consumismo, a falta de cuidado com a natureza, o roubo de populações locais. Em cerca de dezoito minutos, Raúl Castro elencou uma série de problemas que afetam o mundo.
Por mais que se possa apontar uma base ideológica e uma agenda política nesse tipo de declaração, elas não comuns nessa intensidade e naquele fórum e geram, mesmo que de forma involuntária, uma reflexão. Explicitar que as promessas de 1945 são uma “quimera”, usando a referência de algo mitológico usado como mera decoração. E essas intenções continuarão mitológicas enquanto 795 milhões de pessoas estão famintas, 781 milhões de adultos são analfabetos e dezessete mil crianças morrem todo dia de doenças curáveis, enquanto o orçamento militar mundial é de 1.7 trilhão de dólares; uma fração desse valor solucionaria vários dos problemas que “açoitam” a humanidade.
Ao falar da mudança climática, Raúl Castro demonstrou apoio ao argumento de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, abordadas em vários momentos aqui no Xadrez Verbal e presente no discurso de Dilma, que foi citada por Raúl Castro. O presidente cubano fez diversas demonstrações de apoio e solidariedade aos vizinhos latino-americanos. Maduro, da Venezuela, Correa, do Equador, o Caribe como um todo, em suas demandas por compensações pela herança escravista europeia e por mudanças climáticas. Também apoiou a Rússia contra sanções econômicas e a demanda argentina na disputa territorial pelas ilhas do Atlântico Sul; Malvinas, Sandwich do Sul e Geórgia do Sul.
Essas menções de solidariedade política certamente serão exploradas pela política nacional brasileira, como demonstração do “alinhamento” do governo Dilma Rousseff. Celebrou a reaproximação com os EUA, elencando pontos pendentes, como a devolução do território da base de Guantánamo, o fim do embargo e compensações pelos danos humanos e econômicos decorrentes desse; Cuba, anualmente, propõe uma moção de condenação em relação ao embargo e especula-se que, em 2015, os EUA podem não vetar essa moção, aceitando a condenação como maneira de pressionar seu legislativo.
Concluiu afirmando que a comunidade internacional pode sempre contar com a “sincera voz de Cuba” contra a injustiça, a desigualdade, o subdesenvolvimento, a discriminação e a manipulação. O último item é contraditório, vindo de um regime autoritário. Independente do grande espantalho ideológico e sensacionalista criado por alguns setores conservadores brasileiros, não podemos esquecer que o governo cubano é um governo autoritário. Raúl Castro encerrou defendendo que uma ordem internacional mais justa e igualitária seja estabelecida centrada no ser humano e sua dignidade. Um encerramento apropriado para um discurso que teve na emoção seu principal componente. E principal virtude.
Para ficar informado e ler, assistir ou ouvir os discursos na íntegra, você pode checar a programação do debate no site da 70ª Sessão da Assembleia Geral da ONU; notícias e releases no site da Assembleia Geral da ONU; e assistir aos pronunciamentos e demais coberturas no site oficial das Nações Unidas UN Web TV.
Filipe Figueiredo, 29 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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