A mais recente Cúpula dos BRICS: Eurásia e a Declaração de Ufá

Nos últimos dias Nove e Dez de julho, ocorreu a Sétima Cúpula do BRICS, o encontro dos líderes dos cinco países emergentes do qual o Brasil faz parte, com a presença de Dilma Rousseff. O encontro foi na cidade de Ufá, na Federação da Rússia, capital da República do Bascortostão, perto da fronteira com o Cazaquistão. O encontro foi marcado por, paradoxalmente, representar avanços nos BRICS, em temas e em abrangência política, ao mesmo tempo em que não resultou em resultados visíveis e tangíveis no curto prazo.
A localização da cúpula não foi citada apenas por mera introdução. A cidade de Ufá e sua proximidade com as fronteiras russas da Ásia Central estão ligadas a um dos aspectos mais interessantes do evento. Junto ao encontro dos BRICS foram realizados eventos com a Organização de Cooperação de Xangai e a União Econômica da Eurásia. A organização sediada em Xangai é de caráter político e econômico, além de desdobramentos em segurança coletiva. Além dos seus seis membros (China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Uzbequistão), a organização também reúne Índia e Paquistão como futuros membros e dez países observadores e parceiros.
No caso da UEE, tem-se uma união econômica que vigora desde o início de 2015, formada por Rússia, Armênia, Bielorrússia e Cazaquistão, com o Quirguistão em processo de adesão. A UEE possui uma agenda economicamente ambiciosa, com paralelo com o histórico recente da União Europeia, outra união econômica. A disputa geopolítica entre os dois blocos faz parte dos contextos das recentes crises na Geórgia e na Ucrânia. O bloco reúne 15% do território humanamente ocupado, além de grandes parcelas de reservas estratégicas de matérias-primas.
A Eurásia é uma região geopoliticamente estratégica, literalmente no centro de diversos acontecimentos recentes. A aproximação entre o BRICS e a Eurásia, motivada pela convergência dos interesses russos, indianos e chineses, pode ser vantajosa, pois são blocos economicamente complementares. A Eurásia representa área geopolítica e importante para o fluxo comercial, mercados exploráveis e economias que necessitam de desenvolvimento, além de oferecerem oportunidades para áreas de expertise do BRICS. Difícil prever como essa aproximação afeta especificamente o Brasil, mas, no mínimo, fortalece o bloco.
O principal produto da cúpula foi a Declaração de Ufá que, em seus setenta e sete pontos, aborda uma miríade de pontos, inclusive alguns pouco presentes no BRICS, ao menos até agora. Pirataria marítima, tráfico internacional de drogas, crime transnacional, uso do espaço exterior (foco de distensão atual entre Rússia e EUA), combate ao ebola e epidemias são alguns dos exemplos. O documento dedica especial atenção ao continente africano; diversos países são tema de um ponto específico, como Mali e a República Democrática do Congo. Outro país que mereceu atenção exclusiva foi o Afeganistão, o elemento-chave na geopolítica da Ásia Central desde o século XIX.
A Líbia é tratada especificamente no ponto 44, com algumas alfinetadas em relação às instituições ocidentais, insinuando as conexões entre a intervenção na Líbia em 2011 e a atual crise que o país passa, inclusive de crescimento do terrorismo. O terrorismo foi foco importante do documento, falando da Síria e do Iraque, além da defesa da existência do Estado da Palestina nas fronteiras de 1967 com Jerusalém Oriental com sua capital; uma visão que afeta a perspectiva oficial sobre o status de corpus separatum de Jerusalém, tema já presente no Xadrez Verbal.
No contexto da Organização das Nações Unidas, o texto recorda os setenta anos da instituição para falar da avaliação do progresso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a adoção da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015. O documento também defende a reforma da ONU, fornecendo apoio ao pleito do Brasil e da Índia. A Declaração de Ufá também faz dois comentários especificamente sobre os EUA. Primeiro, no ponto 19, fala que espera que os EUA ratifiquem as reformas do FMI, já acordadas. A contestação da atual ordem interna ao FMI é um dos cernes da institucionalização do BRICS.
O outro comentário fala sobre o G20 e a necessidade das nações de “mitigar os impactos negativos da divergência na política monetária de países emissores de moedas de reserva”; ou seja, Dólar e Euro. A guerra cambial é uma preocupação especialmente grande para a China. São alguns pontos que mostram que o BRICS reafirma sua posição de desafiar o atual panorama da ordem internacional. Finalmente, o documento abrange diversos novos passos na institucionalização e consolidação do bloco. O uso das moedas nacionais para o Novo Banco de Desenvolvimento e o Arranjo Contingente de Reservas, além do incentivo do comércio entre os membros com o uso de moedas nacionais, mecanismo ligado aos aspectos citados anteriormente.
É explicitada a expectativa de que o NBD aprove seus primeiros projetos no início de 2016, citando, diversas vezes, a necessidade de melhoras em infraestrutura. A criação de diversos conselhos do bloco, detalhados no ponto 17, foros empresariais e da comunidade civil, think tanks e o desenvolvimento de um portal online para empresários e nacionais dos países membros. Ampliação da institucionalização do bloco, algo já previsto. Talvez a falta de passos mais ambiciosos seja devido ao cenário economicamente desfavorável, explícito nas falas de alguns dos líderes.
O Presidente da China Xi Jinping falou da desaceleração da economia de seu país e Dilma Rousseff afirmou que a economia brasileira está em “um momento de crise”. Os líderes foram unânimes, entretanto, em diminuir os riscos e falar de perspectivas de recuperação. O tema “crise” também esteve presente ao falar-se de uma eventual ampliação do BRICS; sobre a Grécia, foi numa entrevista de Dilma para a rede Russia Today que ela afirmou que se espera uma solução “negociada” e “dentro da UE”. A expansão do bloco é deixada de lado para o momento, com os esforços focados na contínua institucionalização do bloco. Uma boa notícia e, talvez, um alento para seus membros, embora não gere manchetes ambiciosas.
A Declaração de Ufá pode ser lida, na íntegra, em português e em inglês, no site do Ministério das Relações Exteriores. A entrevista de Dilma para a RT pode ser lida, traduzida para o português, aqui.
Filipe Figueiredo, 29 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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Acredito que o BRICS tem tudo para dar certo, pois aparece como uma forma de contestação ao modelo econômico gerido pelo sistema internacional que, sem as reformas pontuais que são precisas, impede a caminhada do desenvolvimento dos países que estão “fora do clube” (G-7). Quanto ao Brasil, acredito que, se soubermos aproveitar as diversas trocas de informação, tecnologia e demais parcerias as quais o BRICS propõe, e se se tornar o articulador do bloco com a America Latina, tornará o país muito mais relevante e ativo diplomaticamente, além de aumentar o leque de oportunidades de negócios relacionados a infraestrutura na região.
Esse não é um comentário sobre o post especificamente. Gostaria apenas de parabenizá-los pelo site e pelo canal do youtube, poucas vezes fiquei tão genuinamente contente em achar um canal no youtube mas poucas vezes também encontrei algo tão interessante e relevante. Que vocês cresçam cada vez mais com essa alfabetização política e fiquem ricos com iates, mulheres e 10000 dólares.
Gabriel, obrigado pelo apoio, um abraço!
A Consolidação do BRICS só tem a favorecer o Brasil.Muito bom ver tbm que eles deixaram a Grécia se resolver com a UE e o FMI