Grécia: Porquê o Grexit não é a saída mais provável

A Grécia foi tema bastante presente aqui no Xadrez Verbal, e a tendência é continuar, já que a atual crise grega permite uma série de reflexões e análises, inclusive com paralelos ao Brasil. Após o plebiscito, era imperativo falar do atual cenário. A principal especulação do momento é sobre a possibilidade de um “Grexit”, a saída da Grécia da zona do Euro; o termo deriva da aglutinação, em inglês, das palavras “Greece”, Grécia, e “Exit”, saída. Direto ao ponto, colocando aspectos mais elaborados da análise para textos futuros: o Grexit não é tão provável quanto alguns creem.

Posters reading "We vote en masse, no the agreement'' are seen under Bank of Greece logo in Athens, Friday, July 3, 2015. The brief but intense campaign in Greece's critical bailout referendum ends Friday, with simultaneous rallies in Athens supporting "yes" and "no" answers to a murky question in what an opinion poll suggests could be a very close vote.  (AP Photo/Thanassis Stavrakis)

Como toda análise, corre-se o risco de ser desmentido pelos eventos futuros. No caso, nem tão futuros assim, amanhã mesmo esse texto pode estar obsoleto, o que não é justificativa para omissão, ainda mais em um espaço bastante voltado para a política internacional. Quais os motivos para esse raciocínio, então? É possível reduzir tudo, no fundo, em apenas um motivo, sem plural: a política. O Euro, a moeda única europeia, é um símbolo político, integrante de um projeto político ambicioso e de enormes proporções.

Interpreta-se o plebiscito na Grécia como um referendo sobre a própria União Europeia, o que é apenas metade da discussão. Os gregos passam por um momento praticamente de crise humanitária, como dito por Tsipras em sua posse. São oito anos de depressão econômica, não há escola ou pensamento que afirme que a solução para uma crise dessa proporção é mais austeridade. E, mais que isso, os gregos viram uma grande campanha de pressão externa desde as eleições que escolheram Tsipras como primeiro-ministro. O “Oxi”, Não, foi direcionado à interferência política e para a depressão.

Considerando que a população grega se veja na Europa, note-se que Tsipras deseja continuar as negociações. Além de saber que é a saída para a economia de seu país, aceitou a renúncia de Yannis Varoufakis, ex-ministro das Finanças, pois ambos sabem que a negociação entre Varoufakis e as lideranças europeias não tinham clima, após ter chamado a Europa de “terroristas” pela pressão na política interna. Seu substituto é Euclid Tsakalotos, ex-responsável por temas econômicos no Ministério das Relações Exteriores; ou seja, Tsakalotos já estava presente nas negociações e é apreciado por lideranças europeias.

Chega-se ao ponto da pergunta: e por qual motivo as lideranças europeias estariam dispostas em continuar o diálogo, após seguidas negativas, tanto do governo quanto do povo grego? Pois negociar com a Grécia, agora, é manter os menores prejuízos possíveis. Primeiro, o plebiscito dá legitimidade ao posicionamento atual do governo grego. Insistir em contrariar o plebiscito é contrariar a democracia, um dos mais fortes pilares ideológicos da União Europeia, e dá força aos que dizem, tanto na direita quanto na esquerda, que a Europa atropela a vontade popular dos países, especialmente os periféricos.

Recusar a manutenção da colaboração com a Grécia aumenta as chances de aprofundamento dessa crise, nos aspectos humanitários. Chegando-se ao ponto do Grexit, a instabilidade econômica se amplificaria. Afetaria valores de títulos públicos, a cotação do Euro e a economia europeia como um todo, o que implicaria em efeitos globais. Quando se diz que manter a Grécia no Euro é “menos prejuízo”, talvez seja uma verdade matemática, já que o próprio FMI coloca a dívida grega como impagável e, em parte, perdoável. Especialmente, entretanto, esse cenário abre as portas não apenas da instabilidade econômica, mas também da instabilidade política.

É um terreno nebuloso o que se entra, já que não há previsões legais de como um país pode sair do Euro, muito menos de como sair do Euro e manter-se na União Europeia. Também não há nenhum mecanismo de “expulsão”: a única situação prevista é a saída da União Europeia, exercida pelo país. Ou seja, imbróglios legais fariam com que a eventual saída da Grécia, seja do Euro, seja da UE, se arrastasse, aumentando seu potencial de desgaste. Paira também a ameaça do efeito dominó”, envolvendo países como Portugal e Espanha.

Se a Grécia conseguir melhores condições de negociação, como reagirão esses países, que também sofrem com a “austeridade”? Se a Grécia sair do Euro, como ficariam esses países em uma próxima distensão política ou econômica? Mais grave que isso, criaria um vácuo na economia grega, que seria ocupado, mais cedo ou mais tarde. Quais os potenciais candidatos? Rússia, que já é presente nos Bálcãs, com boas relações e intercâmbio econômico com Sérvia e com a Macedônia, e China, interessada em fincar-se num mercado europeu. A Grécia seria um alvo em potencial de investimentos via o Novo Banco de Desenvolvimento, do BRICS.

Mais que tudo isso, o carimbo de fracasso. Nos líderes europeus, que não teriam conseguido lidar com a crise. No ideal europeu, de moeda única, de uma identidade e um sentimento europeu. No projeto político da Europa, de transformar a UE em uma confederação ou em uma federação no futuro de médio prazo, ainda na primeira metade do século XXI. A saída da Grécia do Euro ou da UE seria o desmoronamento de décadas de trabalho, um prejuízo político, cultural e social difícil de ser recuperado. Geraria uma fantasma para cada nova crise, cada novo membro da UE, cada novo passo em direção à uma Europa institucionalizada.

A solução é a negociação, é a recuperação econômica e humana da Grécia. Isso pode requerer mais flexibilidade do governo grego e dos líderes europeus. Perdão de parte da dívida, como dito no relatório do FMI. Melhores condições de pagamento. A adoção, temporária, de IOUs por parte do governo grego, criando, na prática, uma moeda paralela em cotação própria. O fato é que a situação transcende, e muito, a frieza dos números ou a vontade dos mercados. É a única solução para a Grécia e para a Europa. O Grexit não é solução, é sintoma da falta de soluções.


assinaturaFilipe Figueiredo, 29 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.


Como sempre, comentários são bem vindos. Leitor, não esqueça de visitar o canal do XadrezVerbal no Youtube e se inscrever.


Caso tenha gostado, que tal compartilhar o link ou seguir o blog?

Acompanhe o blog no Twitter ou assine as atualizações por email do blog, na barra lateral direita (sem spam!)

E veja esse importante aviso sobre as redes sociais.


Caros leitores, a participação de vocês é muito importante na nova empreitada: Xadrez Verbal Cursos, deem uma olhada na página.

botãocursos

um comentário

  • Vinícius Brandão

    Belo texto Filipe, eu frequentemente leio suas análises, acompanho o canal no youtube e escuto os podcasts, mas não costumo comentar, só comentei uma vez no youtube. Seu trabalho é muito bom cara, já vejo tanto essa tua cara que já me sinto até próximo hahaha, abraço!

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.