Assembleia Geral da ONU – Resumo do segundo dia
Caros leitores,
Hoje, dia 26 de Setembro, continuo a falar do Debate da Assembleia Geral nas Nações Unidas. Dentre os discursos programados para hoje, obviamente, o destaque é para o discurso de Mahmoud Abbas, Presidente palestino, que provavelmente, e com razão, vai reafirmar os direitos soberanos de seu país. O México será representado pelo seu Ministro de Relações Exteriores, o que diminui um pouco eventuais expectativas, o discurso deve ser protocolar. O Haiti provavelmente seguirá o tom do novo governo, de uma (re)construção independente do país. E, claro, a primeira participação do Sudão do Sul é um momento histórico, embora eu não faça ideia do que esperar.
Primeiro, sabe ontem quando eu disse que não encontrei o pronunciamento de Hollande na íntegra e o discurso de Rouhani em outro idioma que não o persa? Relapso meu, você pode acessar tanto um quanto o outro no site da 68ª Sessão, cujo link esteve nos últimos posts como fonte de informações. Todo e qualquer discurso tem sua própria página, com no mínimo uma transcrição em inglês (outros têm transcrições também em outros idiomas) e o áudio do discurso no idioma original, além dos idiomas oficiais da ONU (árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol).
Inicio por Timor Leste. Taur Matan Ruak fez um discurso bonito, que pode dar até certa dose de otimismo em tempos tão complicados. Se Mujica brilhou por apontar o que está errado, Ruak brilhou por mostrar a possibilidade de solução, ao colocar seu próprio país como exemplo da importância das Nações Unidas, do diálogo e da negociação para a resolução de problemas. Lembro ao leitor que, após declarar sua independência de Portugal em 1975, o pequeno país foi invadido e ocupado brutalmente pela Indonésia até 1999 quando, após mais de cem mil mortes em pouco mais de duas décadas, um referendo supervisionado e organizado pelas Nações Unidas optou pela independência total do país.
De 1999 até 2002, o país foi um protetorado das Nações Unidas, sob administração direta da ONU, até então a mais longa missão do tipo; além disso, diversas outras missões, inclusive forças de paz, e escritórios dedicados da ONU contribuíram para o estabelecimento do país nos últimos anos, e esse pronunciamento foi o primeiro da História de um representante timorense sem missão alguma presente no país; ou seja, após pouco mais de doze anos, as Nações Unidas contribuíram para o estabelecimento de um novo Estado, e é com esse exemplo que Ruak argumentou sobre a importância da comunidade internacional e do diálogo.
Com esse argumento, ele advogou pelo fim do embargo dos EUA à Cuba, pela negociação do fim do conflito entre israelenses e palestinos, pelo fim das tensões em Guiné-Bissau e lamentou que, enquanto seu país conseguiu sua independência autodeterminada, o Saara Ocidental ainda espera por isso. Finalmente, pediu que o Conselho de Segurança torne-se um reflexo da realidade do século 21, com “novas potências” como membros permanentes, como Índia, Brasil e Indonésia. Para o blogueiro, a única decepção do discurso, com um argumento bem construído com o autoexemplo, foi o fato dele não ser em português, mas aí era uma expectativa pessoal; na integra, aqui.
O discurso de van Rompuy, Presidente do Conselho Europeu, foi em boa parte protocolar, excetuando o trecho em que pediu, de forma incisiva, por uma resolução do Conselho de Segurança sobre o conflito Sírio, comparando dados da Assembleia Geral do ano passado com dados atuais, perguntando como será a situação ano que vem se a comunidade não agir; ano passado, estimava-se 25.000 mortes e 250.000 refugiados, confrontados com os cerca de cem mil e dois milhões atuais, respectivamente. Na íntegra, aqui.
O primeiro-ministro da Líbia, Ali Zeidan, foi extremamente contraditório. Em alguns momentos, seguiu um discurso moderado, sobre comprometimento com a comunidade internacional, agradeceu o papel das Nações Unidas na “independência” do seu país e pediu por apoio humanitário, devido ao estado de calamidade do país em aspectos como saúde, refugiados, etc. Em outros momentos, um discurso nacionalista, pedindo o retorno de bens líbios congelados no exterior, vitais para o desenvolvimento do país, enalteceu o papel histórico da Líbia (mas e a tal “independência” recente?) na África e que o continente merece um representante permanente no Conselho de Segurança e que, para combater o terrorismo, o contrabando e garantir a segurança do país, era necessária a suspensão da proibição do comércio de armas no país. Não condeno um eventual discurso nacionalista e a busca por apoio para reestruturação do país, nem um rompimento total com a Líbia de Kadafi; condeno a contradição, pra mim, Zeidan errou feio em seu discurso.
Evo Morales; adianto, precisará de paciência para assistir o discurso na íntegra. Assim como Obama, Evo falou por cerca de quarenta minutos, de forma repetitiva. Metade de seu discurso foi sobre melhorias sociais na Bolívia, aparentemente para posicionar o país perante a Agenda do Milênio, o que parecia perfeito, além de abordar a antiga disputa com o Chile sobre uma saída para o mar; mas tais melhorias seriam pelo fato do país não estar mais submetido ao “império norte americano” e então começou uma série de acusações e, repetindo o termo que usei ontem, “apontar de dedos” contra os EUA, mas sem, nem de longe, a mesma desenvoltura de Mujica, especialmente pelo fato de ele não criticar de uma forma macroscópica, mas criticar única e exclusivamente os EUA, citando até a exploração espacial, como se esse país fosse responsável por todas as mazelas possíveis. Longe de defender a política externa do “grande irmão do norte”, e não nego que Evo fez algumas acusações válidas, mas isso é de um reducionismo atroz.
Finalmente, Kiribati. Um discurso incisivo, carregado e triste. É, triste. O Presidente Tong pediu por um diálogo climático e mudanças “brutalmente honestas”, afirmando que o clima atual está pior do que o clima quando da Rio92. Afirmou que o que está acontecendo nesses pequenos atóis que estão desaparecendo é algo que atingirá todos, caso nenhuma providência seja tomada. Finalmente, com o apoio do Banco Mundial, o país está preparando o país e sua economia para eventuais catástrofes, inclusive o treinamento da população para se adequar ao mercado de trabalho global caso seja necessário migrar toda a população. Caro leitor, pare, pense e reflita. Um presidente está dizendo, perante o mundo, que talvez seja necessário migrar toda uma população de mais de cem mil pessoas, pois seu país pode literalmente sumir do mapa. Parabenizo Tong por sua franqueza e por não ter usado paliativos em seu discurso, em uma fala triste, mas necessária.
Mais tarde falarei da Geórgia e da Sérvia.
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Para ficar informado, você pode checar a programação do debate no site da 68ª Sessão da Assembleia Geral da ONU; notícias e releases no site da Assembleia Geral da ONU; e assistir aos pronunciamentos e demais coberturas no site oficial das Nações Unidas UN Web TV.
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