É a sua História que está queimando

Não tem jeito, é pra desistir. “Incêndio atinge prédio do Museu Nacional” é a manchete, mas poderia ser fogo destrói parte inestimável da História brasileira e mundial, incêndio destrói patrimônio cultural único, descaso acaba com a sua História, uma série de opções.
Museu é visto como um luxo, um passeio exótico, um lazer privilegiado. Não é. Não deveria ser. Museus estão nos pilares de sustentação de qualquer sociedade, fios importantes no tecido social. Onde se encontram muitas perguntas e se buscam as respostas: Quem somos? Da onde eu vim, qual a origem do meu nome? Onde estou, o que é esse lugar, o que explica ele estar assim?
E você já foi em um museu? No Brasil, na sua cidade. Imersos em um debate engessado e paranoico direto da Guerra Fria, em que as agendas secretas comunistas, gays, satanistas, o que for, espreitam cada esquina, a História, com H maiúsculo, se torna mais um alvo.
História é doutrinação, Humanas não serve pra nada, professor de História é tudo vagabundo. Corta verba, tem prioridades. Gastar dinheiro com museu em um país em que (cite outra mazela social aqui)? Ao mesmo tempo, reclama-se de que o brasileiro não conhece sua História, não sabe o significado de uma determinada data, não sabe votar, não prestigia seus antepassados, não adquire cultura. Uma coisa, ou outra.
Qualquer destruição de patrimônio histórico é inaceitável, não apenas quando cometida pelo Estado Islâmico contra algo “pagão”. Esse patrimônio pertence a todos, e são os pedaços de quem somos, um a um, sendo arrancados. O Brasil renega sua História, não encara suas cicatrizes, se recusa a reconhecer seu passado, repete erros já cometidos, travestidos de soluções inéditas. Enquanto isso, as possíveis respostas são apagadas, destruídas pelo fogo.
Museu Nacional, Instituto Butantan, Museu de Ciências Naturais, Museu da Língua Portuguesa, dentre outros, são consumidos pelas chamas. O Museu Paulista, da Independência, está fechado tem cinco anos, por risco de desabamento, e assim ficará por ao menos mais quatro. Para ficarmos nos exemplos mais recentes, sem esquecer de que o próprio Estado brasileiro destruiu muitos de seus arquivos.
E, o pior, dirão que esse desabafo é exagerado. Ficarão chateados, mas ninguém liga, a vida segue. Temos outros problemas, mais graves. Que não se negue a existência de uma miríade de outros problemas, não se iluda achando que é o que acontece hoje na Quinta da Boa Vista é algo menor. Para uma sociedade sair do buraco, ela precisa, primeiro, saber que é uma sociedade.
Filipe Figueiredo é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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Parabéns por mais um belíssimo texto e esse verdadeiro desabafo.
A população de um modo geral não conhece a sua história e perdemos mais um local onde poderíamos aprender sobre quem somo e de onde viemos.
Eu não quero acreditar que isso está acontecendo
Muito triste essa notícia, é revoltante a falta de cuidado… 😦
Nossa, Filipe, texto necessário. Obrigado
Estou apavorado vendo tudo virar cinza.
Perfeito pela veemência do texto Filipe, sou aluno de biblioteconomia da UFRJ, por isso aumento a revolta quanto a situação dos museus no Brasil, para as bibliotecas e os arquivos. Esse caos configura uma situação de total descaso com a cultura no país, reforçado pela terrível consequência do desastre do Museu Nacional, de total escuridão em termos de memória, afinal não se pode saber sobre aquilo que você não tem como lembrar, sendo tanto gerado a partir da falta de importância dada a história, a memória, a cultura em si, quanto produto desse fato, em um ciclo degradante da nossa sociedade brasileira. Parabéns pelo texto.
Isso dói tanto.
Ver nossa história virar cinza é um símbolo triste do momento em que estamos na nossa história.
Brilhante Filipe ! Parabéns! A luta continua …
Excelente texto, Filipe!!!
Cabe destacar que é o terceiro incêndio “grande” (os “pequenos” muitas vezes até nós da própria universidade não ficamos sabendo) na UFRJ em menos de 3 anos.
2016 – Reitoria e Escola de Belas Artes
2017 – Alojamento
2018 – Museu Nacional
Todos eles muitos próximos a mim.
O primeiro “só” porque eu morava muito próximo e era a administração de minha universidade, que teve que se descentralizar após o ocorrido, gerando vários transtornos.
O segundo pois eu literalmente engoli muita fumaça e fiquei sem resistência física pelos meses seguintes (era morador da parte que pegou fogo e estava presente no dia).
O terceiro porque esse ano tomei posse como servidor público federal lá e, mais recentemente ainda, fiz parte da equipe de fiscalização para seleção de dois novos pesquisadores para o Museu.
Engraçado é alguns veículos de imprensa colocarem em destaque que o Museu não recebia repasses suficientes da UFRJ, fica parecendo até que a universidade tinha o dinheiro e optou por não repassar… Parece até que não estamos sob uma austeridade tremenda do governo federal…
Enfim, é meu primeiro comentário aqui, então gostaria de agradecer pelo excelente trabalho como divulgador científico. Seja com o Mathias nos podcasts ou no Nerdologia, todos trabalhos de ótima qualidade, tenho orgulho de ser um “velho ouvinte” e ter recomendado esse trabalho a muita gente…
Abraços!
Matias***
já tô vendo o BR um narco estado, (se jã ñ tá), e religioso (cristão)
Muito obrigada por esse texto, me senti muito contemplada.
Eu estou em choque desde ontem. Amanheci o dia triste. E olhe que não tive a oportunidade de conhecer o museu nacional, e não terei mais (apenas porque não conheço o Rio, pois toda cidade que conheço faço questão de ir a museus!).
Cheguei às lágrimas vens os desabafos de Pirulla e do Blabalogia. Perdemos uma quantidade inimaginável de tesouros. MAIS DE FUCKING 20 MILHOES DE PEÇAS, TODAS E CADA UMA DE VALOR INCALCULÁVEL!!!! O que dizer de Luzia, dos mais de 5 milhões de espécimes de besouros (varios já extintos), múmias, meteoros, dinossauros (alguns espécimes únicos no mundo), pterodáctilos, e tantas coisas que viraram cinzas ao vivo.
Lembro-me do início do mandato do atual presidente, quando ele quis anexar o ministério da cultura ao da educação. Houve todo um movimento de artistas para evitar o “fim do ministério”. Minha sensação hoje é que só queriam defender os milionários repasses da lei Roanet, mas ninguém estava nem aí pros museus. Há 2 anos era o museu da língua Portuguesa (esse conheci antes do incêndio), agora foi o nacional, que há 12 anos já era citado como de risco para incêndio em reportagens! 12 FUCKING ANOS! Qual será o próximo?
Meu sentimento é de muita tristeza mas também de muita revolta!
Desculpem o desabafo, mas pra mim é como se tivesse perdido um parente próximo que não tive a felicidade de conhecer.
E não isento nenhum governo!
Há 12 anos já havia alerta pra esse risco, então o problema vem de antes. Nenhum dos últimos presidentes, pelo menos de 20 anos pra cá está isento da culpa.
Desejar que as cinzas sejam aspiradas por cada um deles e seus respectivos ministros da cultura, levando a uma fibrose pulmonar, não seria uma coisa boa, né? Mas…
Só pra completar essa informação: sabem quem foi o último presidente da república a visitar o MN? JK!
Isso mesmo, Juscelino Kubitschek em Junho de 1958, pouco mais de 60 anos. Sessenta anos sem que um presidente da república visite o maior e mais importante museu natural da América Latina.
Não dá pra nenhum partido ou ideologia usar essa tragédia para capitalizar. Não foi a esquerda que tem a UFRJ nas mãos, não foi Temer com os cortes, não foi Dilma com a sua crise, Lula com os desvios, FHC, Collor, nem os militares; foram TODOS eles que viraram as costas para o MN.
Ainda dividido entre a tristeza e a revolta.
Muito obrigado, professor
Teve um protesto hoje,eu estive lá para demonstrar minha indignação. No entanto eles basicamente arrombaram o portão,riscaram o carro da globo e impediram o ministro da cultura de entrar.
O total desprezo a que estava votado o museu é assustador. Assustador porque quem despreza o passado não tem futuro. A ignorância sobre o real valor duns bichos mortos, pessoas empalhadas, pedras velhas, pinceladas em telas (que qualquer celular é mais eficaz a retratar), etc. não é um exclusivo do Brasil, mas o que assusta no Brasil é que nem as elites que o governam têm consciência disso; sem se darem conta, a mensagem que passam é de uma genuína descrença no futuro do país. Como disse, e bem, a destruição de património histórico é inaceitável, seja quem for que a execute ou favoreça, e por fazer esta comparação com a destruição dos Budas pelo EI eu já fui bloqueado numa rede social. Isto é muito significativo. Vivemos numa sociedade que nem precisa de censores oficiais, cada um de nós é um agente ao serviço da vulgaridade, da aniquilação do pensamento crítico. O pensamento crítico já foi praticamente extinto do seu último reduto, as livrarias, onde imperam os “estilos de vida”, “gastronomia”, “viagens”, “modelos de sucesso” (temas para apascentar o povão), e isto, como se diz em Portugal, é um fenómeno “pescadinha de rabo na boca”: a educação gera a necessidade de saber mais, a necessidade de saber mais gera a procura de livros, a procura de livros gera livrarias que pretendem ganhar dinheiro com os interesses das pessoas, os interesses das pessoas atestam-se na quantidade e qualidade de secções temáticas, as secções temáticas que cultivam o espírito são ínfimas e as que se dedicam a assuntos prosaicos são imensas, logo, é imensa a falta de educação. A internet, que julgávamos livre, vai pelo mesmo caminho. A falta de educação é o que leva governantes e povo a negligenciarem o Museu que ardeu. Sem dúvida que o presente e os seus múltiplos problemas são ciclópicos, mas ao devorar toda a atenção e recursos disponíveis nunca se irá entender o passado, contextualizá-lo no presente, e projectar o futuro. Que o povo não entenda isto, até se entende, o que não se entende é que os governantes não entendam. Isto nem sequer é um problema só vosso: o mundo, a América, e sobretudo Portugal, bem como os países lusófonos precisam dum Brasil forte, feliz, próspero, respeitado, uma verdadeira potência mundial; ganhávamos todos. Não uma terra consumida pelo fogo da violência, vivendo encapsulada numa dimensão irreal ao género Mad Max, onde impera a lei do “cada um por si, e salve-se quem puder”
Infelizmente é a nossa realidade , triste realidade!!!!
Fico triste por nossos filhos e filhas não poderem mais ter a experiência de contato com tanta riqueza científica e histórica.
Fico triste por tantos profissionais que perderam todos seus estudos e trabalhos realizados por anos a fio.
A principal joia de nosso acervo, ardeu em chamas. Outras tantas caminham no mesmo sentido. Sem se contar os inumeros arquivos publicos municipais, que apodrecem em todos os pontos do Pais.
Se as tendências se mantiverem, mais breve do que imaginamos nós nos tornaremos uma grande fazenda, conectada e automatizada, produzindo a seguranca alimentar de quem puder pagar por ela. E com uma massa de pessoas cada vez menos cultas e mais pobres aglomeradas nas cidades
Neste pais, onde a distribuição de armas e munições é tema muito mais importante do que a distribuição de livros para o povo, parece insano ter esperancas.
Num pais onde não existiu auxílio moradia para 20 milhoes de itens de acervo, parece insensato ter esperanças.
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