ONU 70 anos: O discurso incisivo e inteligente da Síria

Caros leitores, mesmo após o fim dos pronunciamentos, prosseguimos a cobertura especial da 70ª Assembleia Geral da ONU. Você pode acessar todos os textos publicados (e os com publicação agendada) no índice da cobertura especial. 


A situação na Síria, após os recentes desdobramentos, merece bastante atenção aqui no Xadrez Verbal. Como preâmbulo e ainda no clima da 70ª Assembleia Geral da ONU, o discurso de Walid Al Moualem, Primeiro-ministro interino da Síria, na ocasião foi forte. Al Moualem já apareceu por aqui algumas vezes, normalmente como Ministro de Relações Exteriores da Síria, cargo que mantém, agora também com a inclusão de “Expatriados” em seu título, além do posto interino; talvez sinal de que Assad esteja restrito aos seus principais aliados, em um aparelho de Estado em situação cada vez mais complicada. O pronunciamento sírio foi forte, pois, ao contrário de muitos outros, nomeou os bois.

Alguns comentários ainda foram feitos de forma velada, porém, para a pessoa que consegue interpretar as palavras, somadas as acusações diretas, os alvos de Al Moualem ficaram claros. Em linhas gerais, as palavras de que o país sofre com o terrorismo, que toda a humanidade e seu patrimônio cultural sofrem com o terror, e que essa violência não reconhecerá fronteiras, com a intenção de estabelecer “um califado de sua interpretação” no mundo todo. Elogios ao exército sírio, a “única força que combate o terror” desde o início. Demonstrações de proximidade com Putin e a Rússia: primeiro, em saudar e apoiar a coalizão “internacional e regional” para combate ao terror e, posteriormente, agradecer o papel russo na ascensão síria à Convenção de Armas Químicas e sua execução no país.

Sobre o futuro da Síria após o conflito, Al Moualem adotou uma postura de diálogo, provavelmente para manter a opção do regime de Assad ser visto com legitimidade, tema de distensão entre Rússia e EUA. “A Síria não pode implementar qualquer medida politicamente democrática relacionada à eleições, constituição ou similares, enquanto o terrorismo está atacando em casa e ameaçando civis inocentes (…) como pedir ao povo sírio que vá para as urnas enquanto não conseguem se sentir seguros em casa?”. Sobre o cenário internacional, a Síria foi clara e inteligente.

Clara, pois nomeou seus aliados, Rússia e Irã, manteve-se aberta para mais apoio e agradeceu a solidariedade ao seu povo. Também nomeou os alvos de suas críticas: Israel, Turquia, Qatar, União Europeia, Estados Unidos e, especialmente, Arábia Saudita. As razões geopolíticas do conflito são constantemente comentadas aqui no espaço e em programas recentes do podcast do Xadrez Verbal. No caso da União Europeia, a crítica foi mais branda, apenas citando a adesão do bloco à política de sanções dos Estados Unidos. Em relação aos outros países, as críticas foram mais incisivas e, novamente, inteligentes.

A Síria explorou as contradições dos discursos e das relações. Contra a Turquia, apontou que o país apoia “terroristas”, com ataques aéreos e artilharia na região de Aleppo. Aqui é importante fazer a distinção de que a Turquia apoia o que ela chama de “oposição síria”, também apoiados pelos EUA, movimentos que também são classificados como terroristas pelo regime sírio. Falando de Israel, o representante sírio apontou a necessidade de cumprimento dos acordos sobre as colinas de Golã, colocou que Israel foi o maior beneficiado pela “Primavera árabe” e que o país também apoia movimentos terroristas dentro da Síria. Especialmente, lembrou da contradição de que apenas Israel trava o processo de criação de um Oriente Médio livre de armas nucleares e é um país marginal nos acordos internacionais de armas de destruição em massa.

Foi sobre a aliança entre EUA e Arábia Saudita, entretanto, que a Síria fez a crítica mais inteligente sobre essa grande contradição. Segue um dos trechos: “Como podem países desenvolvimentos, governados por eleições e parlamentos, serem aliados com países que não possuem parlamentos verdadeiros, e não reconhecem o papel ativo de metade da sociedade representada pelas mulheres. Como podem seus países aceitar as ideias de jihad sexual, massacres, corte de mãos, queimadura (de pessoas) e destruição sistemática da História”. Na tribuna da Assembleia Geral da ONU a Síria lembrou ao mundo que a aliança entre EUA e Arábia Saudita, em efeito, é ainda mais danosa e desequilibra a região mais instável do mundo contemporâneo. E que o discurso dos EUA torna injustificável esse apoio ao regime monárquico absolutista e wahabita de Riade.


Para ficar informado e ler, assistir ou ouvir os discursos na íntegra, você pode checar a programação do debate no site da 70ª Sessão da Assembleia Geral da ONU; notícias e releases no site da Assembleia Geral da ONU; e assistir aos pronunciamentos e demais coberturas no site oficial das Nações Unidas UN Web TV.


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Filipe Figueiredo, 29 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.


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