ONU 70 anos: Iraque e Afeganistão, bons ofícios ou desespero?

Caros leitores, prosseguimos a cobertura especial da 70ª Assembleia Geral da ONU. Você pode acessar todos os textos publicados (e os com publicação agendada) no índice da cobertura especial. O primeiro texto fala de Iraque e de Afeganistão. Ainda hoje, teremos mais um texto. Amanhã, sexta-feira, antes do podcast, ao menos mais dois textos. Agradeço o apoio e mantenham as visitas, pois o conteúdo ainda será vasto.
No dia 28 de setembro, o primeiro dia do debate da 70ª Assembleia Geral da ONU, o “Chefe Executivo” da República Islâmica do Afeganistão, Abdullah Abdullah, falou na tribuna. Já no dia 30 de setembor, ontem, falou o Primeiro-ministro da República do Iraque, Haider Al-Abadi. Ambos os discursos foram parecidíssimos. Tom, duração, mensagens. E as interpretações possíveis sobre as situações e as necessidades desses dois países que estão em um momento histórico igualmente similar. Ambos lidam com o terror em meio ao processo de construção nacional após um período autoritário encerrado com uma intervenção militar estrangeiro.
As Nações Unidas enfrentam um mundo que é modificado constantemente, com ameaças “feitas pelo homem”, segundo o afegão; talvez uma distinção entre catástrofes naturais e conflitos, mas, também, talvez uma distinção com o uso da religião pelo terrorismo. Ambos falaram dos novos desafios da ordem internacional e ambos falaram do mal do terrorismo e do Da’esh; a grafia, em árabe, para o autointitulado Estado Islâmico. Cada um colocando sua perspectiva regional. O afegão mencionou o Talibã e o fato do Paquistão servir de refúgio para células terroristas, demandando que o seu vizinho “cumpra suas promessas” de combater o terror.
Outro elemento particular ao discurso afegão foi o de compromisso ao combate ao tráfico de drogas, já que o país serve, historicamente, para o plantio de papoula, base de opiácios. Já o iraquiano Al-Abadi falou também da “vontade do mal” de seguidores do regime Ba’ath de Saddam Hussein; paradoxalmente, alguns analistas falam que foi justamente a marginalização do partido Ba’ath que fez com que o Iraque se fragmentasse. Mais paradoxalmente ainda, comenta-se de evitar esse erro na Síria, onde o mesmo partido governa o país, com Assad.
Os dois líderes elencaram uma série de conquisas sociais e demográficas, como melhora da expectativa de vida, queda da mortalidade infantil, índices educacionais e diminuição das diferenças de gênero. Ligaram essas conquistas aos novos regimes democráticos, embora, muitas vezes, os parâmetros sejam enganosos, comparando mortalidade infantil hoje com anos de guerra e de falência social. Seguir a retórica da democracia participativa e inclusiva, que leva uma vida melhor para a população é, mais do que uma eventual opção política particular, um discurso interessante para os dois.
Interessante por qual motivo? Fortalecem a ideia de países em construção, em desenvolvimento, como boas opções de mercado; economias em desenvolvimento, oleodutos, cooperação energética, todos elementos presentes nos dois pronunciamentos. Um país que tornou-se interessante graças ao apoio internacional, com agradecimentos ao papel da comunidade internacional, à ONU e à OTAN. E que, com mais apoio internacional, podem pensar que cumprir os itens da Agenda 2030.
Primeiro, entretanto, esses países precisam de ajuda para combater o terror e a violência interna. Apelos para ações imediatas, para resoluções que proíbam o financiamento ao terror e que preservem a herança cultural do Iraque, clara referência ao EI e sua política de destrução da História material. Ou seja, a mensagem de Iraque e de Afeganistão para o mundo é de que as intervenções deram certo, estão construindo novos países, não foram um “fracasso”, como muitos avaliam. Esses países precisam de mais e de contínuo apoio, de “bons ofícios” internacionais. Fracasso seria essa frágil herança ser engolfada pelo terror e pela violência, novamente. No fundo, Afeganistão e Iraque não estão otimistas com seus novos países. Os discursos são virtualmente iguais pois estão igualmente desesperados e pedindo por mais apoio, temendo que esse pouco se esvaia.
Para ficar informado e ler, assistir ou ouvir os discursos na íntegra, você pode checar a programação do debate no site da 70ª Sessão da Assembleia Geral da ONU; notícias e releases no site da Assembleia Geral da ONU; e assistir aos pronunciamentos e demais coberturas no site oficial das Nações Unidas UN Web TV.
Filipe Figueiredo, 29 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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Filipe, por que sempre chamas o Estado Islâmico de “O auto-intitulado, Estado Islâmico”? Tem a ver com o não-reconhecimento internacional?
Como disse Obama, não é nem um estado e nem islâmico. Um abraço.