Em 2010, Irã foi mais flexível sobre produção nuclear do que hoje

A principal diferença fica clara: em 2010, o Irã fizera concessões sobre a produção nuclear local; ao contrário do acordado em 2015, quando essa flexibilização ou não foi feita ou não foi necessária.
Qual seria, então, o melhor acordo? Um fator universal deve ser colocado na balança: a vigilância internacional. Sem “a mais rígida fiscalização da história”, nenhum dos dois acordos teria chances. Em 2010, o Irã poderia evadir as fiscalizações, afirmando que já abriu mão da produção, ou seja, elas não seriam necessárias. Em 2015, não adiantará congelar boa parte de suas centrífugas de enriquecimento se mantiver uma instalação clandestina, por exemplo. E, em ambos os casos, permaneceria a retórica de mais punições e sanções decorrentes da vigilância. Supondo-se uma colaboração e vigilância rígidas, como a prometida, o acordo de 2010 seria mais vantajoso, pragmaticamente, já que o Irã fizera concessões sobre a produção local.
Por qual motivo, então, aquele acordo não vingou? Pois na política nem tudo é pragmático e objetivo. Sem o respaldo dos EUA, o acordo com Brasil e Turquia não teria como assinalar o fim das sanções, como o atual pacto promete. E o então governo Obama não havia colaborado no processo por motivos internos e externos. Internamente, Obama, em seu primeiro mandato, necessitava de amplo apoio dos democratas, incluindo os mais conservadores e os mais relacionados com Israel, céticos em relação ao acordo nuclear com o Irã. Esta ala democrata era representada justamente por sua Secretária de Estado, Hillary Clinton, que teria sido a responsável por desencorajar os esforços turcos e brasileiros; embora, nas palavras de Amorim, os parâmetros fossem os mesmos que Obama expressou desejar.
Externamente, a mudança tem nome e rosto. Em 2010, o Irã era presidido por Mahmoud Ahmadinejad, político conservador conhecido por seu discurso virulento e agressivo, especialmente no que concerne Israel. Embora o presidente do Irã não seja a figura máxima do país — posição do líder político e religioso aiatolá Ali Khamenei —, Ahmadinejad prejudicou, e muito, a imagem do país com sua postura. Apoiar o acordo naquele momento poderia significar, para Obama, reconhecer ou legitimar uma figura negativa. Radicalmente, seria interpretado não apenas como abrir espaço para as potências emergentes Brasil e Turquia, mas também como uma recompensa ao discurso destrutivo, com ameaças explícitas à Israel.
Deve-se pesar a posição de Obama, lembrando que seu governo lida com figuras igualmente complicadas em tons amigáveis e que um líder nacional é assunto interno dos países. A atual postura iraniana é muito mais amigável, inclusive por apoio dos EUA, que sinalizou que desejaria uma melhoria nas relações entre os países após as eleições iranianas de 2013. Hassan Rouhani, atual presidente do país, se aproximou de Obama e do britânico David Cameron, incluindo fotos e apertos de mão públicos por ocasião da Assembleia Geral da ONU. Para Israel e os falcões republicanos, não passa de jogo de cena para ganhar tempo. Para Obama, demonstra como a política de isolamento por sanções pode funcionar e forçar um diálogo.
O maior beneficiado com o atual acordo foi o próprio Irã. Independente de suspeitas de que o acordo colabore com um eventual programa nuclear militar do país. O país persa poderá desenvolver sua indústria nuclear pacífica, como as dos ramos da energia e da medicina. Com o prometido fim das sanções, retomará terreno especialmente no campo financeiro, mas também no mercado petrolífero. Especialmente, recuperará legitimidade e estabilidade ao regime. É verdade que o país terá que flexibilizar muito de sua atual política nuclear, mas o preço compensa. De qualquer forma, o Irã manteve a prerrogativa de manter seu problema nuclear funcionando e dentro de suas fronteiras. Uma concessão que apenas o Brasil de Celso Amorim e a Turquia haviam conseguido.
Publicada originalmente em Opera Mundi
Filipe Figueiredo, 29 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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