Opinião ou prostituição?

É sabido e notório que o debate político anda acirrado. Em parte pelo contexto mundial, com ânimos elevados em diversos países, fruto, direto ou indireto, de uma das maiores crises financeiras da História. Em outra parte, pelo fato do Brasil estar com o cargo máximo do país ocupado pelo mesmo partido. Compreensivelmente, ocorrem dois movimentos. Um busca garantir que esse partido continue na Presidência da República; o outro busca unir todos os descontentes possíveis em um movimento para derrotar os ocupantes do Palácio do Planalto. Enquanto tudo ficar nas regras do jogo democrático, está ótimo, é salutar para um país como o Brasil, com marcada história de autoritarismo. O problema é quando isso descamba para uma mentalidade tacanha, de “ou você está do meu lado, ou está contra mim”. Além de tacanha, mesquinha e torpe, que não contempla a discordância que não seja motivada por interesses ou por dinheiro.

Sim, existem as “penas de aluguel”, não é de hoje; gente que oferece seus trabalhos, no caso com a escrita, ao melhor pagador. Se não chega a ser um leilão, ao menos um aproveitamento. Também é óbvio que empregados terão afinidade, ou correspondência, com empregadores; logo, colunistas de grandes veículos de mídia, habitualmente, terão sintonia com a mensagem da empresa. E nenhum dos dois casos é um problema, é algo natural e comum, desde que feito com transparência e dando oportunidade ao contraste. Se um jornalista não esconde suas preferências ideológicas ou se um jornal dá espaço para duas correntes diferentes de pensamento, ótimo. Novamente, democrático. Como já mencionado por aqui, não existe texto completamente isento ou imparcial, cada um escreve de acordo com suas próprias experiências e conhecimento.

Isso não implica, entretanto, num clubismo de dar inveja aos programas de mesa redonda que discutem futebol. Na cabeça de alguns, não se pode ser flamenguista e, ao mesmo tempo, elogiar um jogador do Vasco da Gama; logo, se você defende uma determinada corrente política, automaticamente está atrelado ao pacote de preconceitos e inferências pré-concebidas. A referida mentalidade tacanha, um pensamento binário que somente enxerga preto ou branco. Isso empobrece o debate político de diversas formas, uma especial: impede a autocrítica. Se o indivíduo não enxerga méritos no outro, como notará os defeitos em si? Em nosso cotidiano isso é traduzido no binário petralha e coxinha. Claro, uma situação diversa é quando os dois termos são usados de forma jocosa, de brincadeira. O problema é quando tudo se resume a isso.

Esse radicalismo, então, leva ao próximo ponto, à torpeza e a mesquinharia. Na incapacidade obtusa de reconhecer o direito à oposição e ao discordar, apela-se para acusações. “Se um determinado autor defende perspectivas contrárias às minhas, obviamente é porque está levando algum”, pensa o tosco. No caso específico brasileiro isso também é motivado pela paranoia (ás vezes justificada, diga-se) derivada do autoritarismo brasileiro; o mais de esquerda vê a grande mídia como possível vilã, o indivíduo de direita busca a conspiração da esquerda infiltrada. É totalmente legítimo desgostar de um autor ou autora, achar que um determinado texto é ruim, pobre em qualidade. A crítica trata de apenas desmerecer o caráter do texto e de seu realizador.

O blog Xadrez Verbal já foi acusado disso algumas vezes. Termos como “página alugada” e “patrocinado por partido”. A rede social Facebook não colabora, já que, quando uma página decide investir em publicidade, seus links aparecem como “link patrocinado”, o que dá a ideia de motivos outros. Confusão baseada nisso ocorreu no excelente texto de Rafael Pinheiro sobre a campanha de Aécio Neves. Muita gente deve desconhecer esse mecanismo, em resumo: quando o blog ou o autor quer dar maior visibilidade a um conteúdo ele “promove” a postagem no Facebook. Assim, mais pessoas podem ter acesso àquele conteúdo, pago pelo referido autor (no caso, do bolso do Rafael Pinheiro). Isso, entretanto, não justifica o comportamento tacanho que, repito, apenas empobrece o debate político. Ninguém precisa gostar do Xadrez Verbal, dos textos do autor ou dos textos dos colaboradores, ou de qualquer outra página, obra, o que for, mas daí a rotular e pronto, demonstra pobreza política e de mentalidade. Existem diversos exemplos de casos similares, envolvendo especialmente blogueiros. Vira uma discussão de surdos, um gritando “petralha” de um lado, outro gritando “coxinha” de outro, e ambos parados, sem ir a lugar algum.

Também é inevitável pensar no fato de que, muitas vezes, as pessoas enxergam a sociedade como se enxergam. Como diz o ditado, medem os outros usando sua própria regra. Se para alguém é inconcebível defender uma ideia sem algum ganho pecuniário, se para alguém todos que defendem alguma ideia estão à venda, talvez seja por experiência própria. Protegidos pela distância, proporcionada pela comunicação moderna, fazem pose de vestais, acusando os outros de prostituírem suas ideias e suas palavras. Enquanto isso consome exatamente aquilo que critica, isso se não pratica por si mesmo. O Conselheiro Acácio, de Eça de Queiroz, elaborado no século XIX, cai como uma luva nesse tipo moderno de falso moralista. E esse comportamento pobre deve ser combatido. Não, não é censura, é manter o bom nível e, principalmente, prezar pela honestidade.

Covardia não deve ser tolerada. Se não se admite que alguém discorde de suas perspectivas, recomenda-se uma ilha deserta. A Internet é a maior ferramenta de comunicação já feita pelo homem. Ela dá voz. Ela abriga blogs chapa-branca ou sites financiados por partidos? Sem dúvida, mas também possibilidade uma miríade de fontes de informação, de opinião, de diversão, etc. Cada um deve fazer sua parte, entretanto. Torpeza, tacanhice, questões não de conhecimento ou de perspectiva, mas de caráter, devem ser afastadas. Assim como a mesquinharia que vê um cifrão em tudo e a paranoia que imprime corrupção em tudo. Discordância, debate, ironia, acidez, concórdia, teses e antíteses, convencimento, tudo isso faz parte de uma troca de ideias políticas saudável. Independente da posição política, de filiações partidárias. Se a mudança política é feita no cotidiano, parar de achar que o Brasil inteiro é um covil é um ótimo começo.

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assinaturaFilipe Figueiredo, 28 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.

 

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