Israel e Palestina: a solução de dois Estados ainda é uma solução?

Caros leitores, dias agitados os últimos, não? Ainda permanecemos discutindo Israel e a crise atual. Fiquem atentos que, talvez, mais tarde, pinte mais um texto por aqui. Como em outras ocasiões, tenho o prazer de receber o texto de um amigo, baseado no comentário feito por ele no texto anterior sobre o tema. Bruno Brasil fornece uma análise, realista e pragmática, sobre a questão dos dois Estados, que poderia solucionar os problemas da região. Espero que gostem tanto quanto eu e meu muito obrigado ao Bruno pela disposição.

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Nestes últimos dias, com o fim do cessar-fogo entre Israel e Hamas, que havia sido acordado em novembro de 2012, com a participação do Egito sob liderança do hoje deposto Mohammed Morsi, o conflito Israel-Palestina voltou a dominar a atenção da comunidade internacional. Tamanha é sua importância, que pouco se está falando sobre o massacre que o recém-declarado Estado Islâmico vem causando às populações sob seu domínio no que (ainda) resta da Síria e do Iraque, considerando-se suas fronteiras reconhecidas internacionalmente.

Na verdade, excluindo as opiniões de extremistas de ambos os lados, não restam dúvidas de que ambos os nacionalismos – o judeu e o palestino – são legítimos e, portanto, merecem ser “presenteados” com um Estado para cada qual.

Nesse sentido, mesmo antes da declaração de independência de Israel em 1948, já se havia pensado em dividir a Palestina sob mandato britânico (ou a Palestina histórica) entre os dois povos. Em 1937, a Comissão Peel – patrocinada pelo governo britânico – propôs a divisão da Palestina entre judeus e palestinos, que já estavam em conflito, bem como a redução da zona sob mandato britânico a uma faixa territorial compreendendo Jaffa (na costa do Mediterrâneo) e Jerusalém. Evidentemente, as conclusões dessa comissão foram ignoradas, à medida que o conflito com a Alemanha nazista se aproximava e que o governo britânico mantinha uma política dúbia – que no futuro se mostrou catastrófica – de tentar agradar a judeus e palestinos com promessas políticas contraditórias.

Em 1947, agora sob os auspícios da recém-criada ONU, foi apresentado o Plano de Partilha. Ele estabelecia uma repartição da Palestina, pela qual 55% da região seriam atribuídos a um Estado judeu, e 45% para os palestinos. Contudo, o número de judeus na região nessa época era menor que o de palestinos. Por fim, Jerusalém ficaria sob administração internacional. O leitor pode acessar mais informações sobre a partilha da Palestina neste link do Guia do Estudante, em português, e neste link da Jewish Virtual Library, em inglês.

As lideranças palestinas e dos demais países árabes não aceitaram o Plano de Partilha, pois consideravam-no muito injusto para com o povo palestino. O aumento das tensões políticas na região – em consequência da iminente retirada dos britânicos – culminou na declaração de independência de Israel. Os Estados árabes resolveram conquistar militarmente a Palestina, de modo a evitar o surgimento de um Estado judeu. Ocorre que as tropas israelenses – formadas por muitos veteranos da Segunda Guerra Mundial que lutaram pelos britânicos – conseguiram derrotá-los, com duas exceções: os egípcios mantiveram controle sobre a atual Faixa de Gaza e os jordanianos, sobre a região da Cisjordânia.

Na Guerra dos Seis Dias, Israel conquista esses territórios, além da Península do Sinai e das Colinas de Golã, que pertenciam a Egito e Síria. Atualmente, só o Sinai foi devolvido, após os acordos de Camp David de 1979 entre Egito e Israel.

Desde então, a proposta de paz de dois Estados parte do pressuposto de que o território conquistado por Israel na Guerra de 1948 é seu por definitivo (por mais que a vitória militar israelense tenha causado o êxodo de muitos palestinos, no que estes chamam de “Al Nakba”, a “grande catástrofe”). Assim, um potencial Estado palestino seria construído nas regiões não tomadas por Israel na Guerra de 1948: Gaza e Cisjordânia. Isso é o que se esperava dos processos de paz de Oslo (1993) e Annapolis (2007). O problema é que Israel passou a construir assentamentos nos territórios ocupados pós-1967, principalmente na Cisjordânia. Houve também assentamentos em Gaza, mas, em 2005, o governo de Ariel Sharon promoveu uma retirada unilateral deles. Dessa forma, com o passar dos anos, o que restaria de base territorial de um futuro Estado palestino foi e continua sendo incorporado por Israel, apesar de pressões da comunidade internacional.

Passadas essas considerações [as quais tentei condensar o máximo possível], vamos a alguns pitacos:

Acho a solução de dois Estados – tão defendida por todos, pelo menos em teoria – está morta e faz tempo. Um Estado palestino teria de existir na Cisjordânia e em Gaza. Por mais que a Faixa de Gaza não tenha mais assentamentos israelenses, é claro que ainda é controlada por Israel, que lhe impõe um bloqueio muito pesado – e com a ajuda do Egito. Assim, Tel Aviv teria de abandonar essa política quanto a Gaza, mas parece que não vai mesmo, pois a existência de foguetes do Hamas continua servindo como pretexto para manter o atual status quo.

Com relação à Cisjordânia, tem havido uma progressiva anexação por assentamentos israelenses, sobretudo das partes mais ricas em recursos naturais. E boa parte dos colonos é composta por fundamentalistas religiosos e por gente da extrema-direita. Ou seja, jamais vão aceitar que Israel devolva essa região aos palestinos, seja por argumentos “bíblicos”, seja por motivos puramente expansionistas. Por muito menos, assassinaram Yitzhak Rabin.

Assim, Gaza sob bloqueio e áreas empobrecidas e geográfica e economicamente isoladas na Cisjordânia jamais resultarão em um Estado palestino viável.

Ocorre que, a longo prazo, a impossibilidade de haver dois Estados pode ser fatal para os objetivos iniciais de Israel [um Estado judeu para os judeus, em que judeus sejam maioria populacional]. Com Israel dominando praticamente toda a área da Palestina histórica, muito provavelmente se passará a defender a solução de “Estado único” para dois povos – exatamente o que os líderes do movimento sionista, sobretudo Theodor Herzl, queriam evitar a qualquer custo. Provavelmente, se fosse criado um único Estado para toda a região, os judeus seriam minoria, o que jogaria no lixo todo o esforço histórico do movimento sionista. Penso que só se conseguiria evitar esse cenário com uma explosão demográfica israelense e/ou com o genocídio do povo palestino.

Enfim, todos esses motivos me fazem crer que não haverá paz (com justiça) para ambos os povos. A paz que houver será aquela dos vencedores, a paz resultante de um jogo de soma zero. Paz que, na verdade, nem merece ser assim chamada.

Bruno Brasil é leitor do Xadrez Verbal e mestrando em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo

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