Não esqueçamos do mundo

Caros leitores do Xadrez Verbal, fui convidado pelo Gabriel Shinohara, um dos editores do jornal laboratório Campus Online da UnB (Universidade de Brasília), para escrever uma coluna na categoria Análise e Opinião. O texto foi publicado originalmente no jornal do Campus Online no dia 15 de abril de 2016 e o reproduzo aqui. Novamente, agradeço ao Gabriel pelo convite e espero que gostem do texto.
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Não esqueçamos do mundo
O Brasil vive um momento de forte crise interna por meses já. Uma crise econômica e uma crise política, com um elemento alimentando o outro em um ciclo vicioso; se a economia piora, a política se acirra, e vice-versa. O cenário do possível impeachment de Dilma Rousseff é, obviamente, o principal tema dos noticiários e da imprensa em geral. Especulações sobre placares de votações, informações dos bastidores do poder, declarações bombásticas de governistas e oposicionistas, manifestações de todo tipo ocupam as manchetes. Repete-se, isso é óbvio; mais que isso, necessário. O problema está na falta de espaço para temas internacionais, em desconsiderarmos ou nos desinteressarmos pelo que acontece no restante do mundo.
O primeiro motivo para isso ser um problema é, talvez, o mais importante, justamente por ser o mais pragmático. A relação com o mundo pode acirrar ou arrefecer uma crise, tanto na economia quanto na política. Manter boas relações políticas externas contribui para a estabilidade interna, já que fortalece a legitimidade de um governo. Dilma certamente se arrepende de não ter dado a devida atenção à política externa em seus governos, especialmente o primeiro. Quando se viu acuada pela concreta possibilidade do impeachment, recorreu ao pronunciamento e a denúncia do que seu governo chama de golpismo para embaixadores estrangeiros em Brasília. Dada sua distância do tema, o evento gerou pouquíssima repercussão internacional.
Em outras palavras, a relação política entre o Brasil e seus cidadãos com o cenário internacional também pode influenciar a situação política no cenário interno. Exemplo mais midático e radical disso é a relação de boa parte do eleitorado com notícias que envolvam Cuba ou Venezuela, regimes vistos como aliados do atual governo. Algo não exatamente correto no caso venezuelano; o Brasil declarou apoio ao resultado eleitoral que elegeu a oposição no parlamento local, censurou o uso da força pelo crescentemente autoritário regime Maduro e deportou centenas de venezuelanos irregulares no lado brasileiro da fronteira. Todas notícias pouco repercutidas.
Mais espaço para a política internacional na mídia e no debate político brasileiro não apenas afetariam a discussão sobre a administração nacional, mas podem também contribuir na superação de crises, inclusive econômicas. Novos governos em outras regiões podem significar novas oportunidades de negócios, inclusive para o empresariado. Mais conhecimento e discussão sobre as negociações nacionais e os organismos do qual o Brasil faça parte, também. A saída para a melhora econômica no século XXI muito provavelmente estará além das fronteiras.
A situação do Mercosul, o estágio das negociações do tratado de livre comércio entre o organismo e a União Europeia, o cenário econômico chinês, um dos maiores investidores diretos na América Latina nos últimos anos. Todos elementos essenciais para a compreensão e, repete-se, superação da crise econômica brasileira. Não se trata de negar ou ignorar a importância de temas como as chamadas pedaladas fiscais, corrupção, déficit fiscal e exagerados gastos estatais. A crítica é pelo desejo de ampliação do debate e da informação disponível ao cidadão.
Por anos o Brasil viveu uma política comercial isolacionista e protecionista; o período em que Dólar era algo quase exótico, um investimento de riqueza, e que os produtos importados eram “do Paraguai”. Esse histórico econômico, somado ao discurso nacionalista brasileiro que, se não é onipresente, no mínimo desperta de dois em dois anos, com Olimpíadas e Copas do Mundo de futebol, faz com que muita gente ainda cultive o pensamento de que o acontece “lá longe” não importa tanto assim. A mudança interna no início dos anos 1990, somada à tecnologia, faz com que hoje esse pensamento seja um erro grave, desmentido por qualquer adolescente que vê a mudança de preço nos itens do seu jogo online favorito, pagos com cartão de crédito. O pensamento antiquado, entretanto, permanece na mente de muita gente.
E temos outro ciclo vicioso: a mídia chamada de tradicional trabalha por audiência. Se o público não quer saber do circuit breaker na China, coloque-se o casamento de uma celebridade no horário nobre; obviamente, de uma celebridade daquela emissora. E qual a origem do desinteresse ou da falta de compreensão desses temas? Justamente a ausência na mídia, que não fala do assunto e, quando fala, não contextualiza, não explica. Cria-se a ilusão de que o Brasil é uma ilha, cujos fenômenos políticos e econômicos são exclusivamente de sua responsabilidade, seja para o bem ou para o mal.
Não precisamos nos ater aos grandes eventos políticos e econômicos, presidentes assumindo cargos em cerimônias pomposas ou cifras inimagináveis negociadas nas bolsas de valores. O cenário internacional afeta o cotidiano, a sociedade, a vida do cidadão comum. O Brasil é um país americano, com a maior parte de sua população formada por imigrantes e refugiados, assim como seus descendentes. E esse fluxo populacional não para. Os imigrantes italianos no século XIX ou os imigrantes japoneses do início do século XX podem ser matéria apenas para os livros de História, mas são casos isolados.
Nos últimos anos, diversas pessoas de variadas nacionalidades chegaram ao Brasil em quantidades expressivas, seja em números absolutos, seja em relação ao histórico dessas migrações nacionais. Portugueses, haitianos, bolivianos, chineses, coreanos e sírios são os casos mais emblemáticos. E por qual motivo? O que faz essas pessoas saírem de suas casas e tentarem a vida em um país que está um oceano de distância, na maioria dos casos? Muitas vezes sofrendo preconceito, sendo agredidas na rua ou submetidos a um regime de trabalho análogo à escravidão? Portugueses serem uma das nacionalidades que mais migrou para o Brasil nos últimos anos costuma surpreender muitas pessoas; a crise no país europeu e o fato de terem facilidades na obtenção de visto e de dupla nacionalidade ajuda na explicação.
Por mais complicado que seja o cenário político e econômico nacional, não podemos pensar que o Brasil é uma ilha, ou que os problemas internos não tem relações externas, ou ainda que questões internacionais não afetam o país. A política internacional é tão importante quanto a política do país, do estado, do município, do bairro. No mínimo, o é no longo prazo. Falta esse reconhecimento e a respectiva importância no debate político e na mídia. Felizmente, a tecnologia permite contornar isso, atendendo a demanda do cidadão curioso e interessado. A internet e suas diferentes mídias, sites, canais de vídeos e podcasts estão aí para preencher esse vácuo.
Filipe Figueiredo, 29 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.
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Ótimo texto. Dizer que o Brasil não é uma ilha passa o recado, mas podemos complementar ainda que mesmo fosse uma ilha, seria cercado de mares e não de vácuo. Talvez, ficasse mais clara a limitação do nosso próprio espaço e a imensidão de oportunidades que nos cerca.
Brasil de mais Filipes e mais Matias, sendo mais críticos e pensantes para que o Brasil seja mais espetacular que já é.
Texto muito importante e amplo. Parabéns pelo blog/canal/podcast. Conheci o blog pelo podcast e até hoje acho uma das maiores joias que encontrei pela internet; continuem com o ótimo trabalho e bom crepúsculo