Síria Parte 2 – O interesse dos EUA

Caros leitores

Continuo hoje a série de posts sobre a Síria. Hoje, dia 5 de Setembro, também começa o encontro do G-20, em São Petersburgo; espero postar mais outro texto, ainda hoje, ou sobre o G-20, ou sobre política nacional. Seria a primeira vez em que posto duas vezes no mesmo dia. Com tanta coisa acontecendo, espero dar conta de tudo. Se não conseguir, peço desculpas.

Nos últimos vinte e cinco anos, os EUA executaram uma dezena de operações militares na região do Oriente Médio. Três delas no contexto de conflitos militares abertos; Guerra do Golfo, Guerra do Afeganistão e Guerra do Iraque. Dessa dezena de operações, cinco possuíam mandato ou autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas, quais os motivos dessa presença nos últimos anos, e os interesses na atual situação síria? (friso essa útilma frase  pois não pretendo tratar das supostas tentativas  anteriores de derrubada  do regime de Assad, por parte dos EUA, nem o possível envolvimento dos EUA com os rebeldes. Tratarei no cenário concreto atual)

Assim como citei uma razão histórica no post sobre a Rússia e a Síria, aqui também cabe essa observação. Os EUA, insulados geopoliticamente, com a segurança garantida pelo isolamento geográfico das outras potências, vê a guerra como um mal, uma abominação, uma excepcionalidade; na Europa, historicamente, a guerra é encarada pela máxima de Clausewitz, como uma continuação da política, “por outros meios”, dentre os diversos Estados que partilham, e disputam, o mesmo espaço.

Por perceber o conflito como uma exceção, a política estadunidense, por tradição, toma a guerra por válida quando existe uma justificativa moral; a beligerância não é um ato político, é um ato ideológico. O “combate ao terror” no Afeganistão, a “expansão da democracia” no Iraque, e até mesmo a retirada do Vietnã se encaixam nesse conceito; mesmo que fosse uma guerra geopoliticamente importante, a opinião pública dos EUA simplesmente não enxergava motivos ideológicos para o conflito no Vietnã, o que acarretou na retirada das forças estadunidenses do país.

Quem analisa muito bem essa relação é Demétrio Magnoli, no artigo No espelho da guerra, introdução do livro História das Guerras. O suposto uso de gás sarin contra a população civil, por parte do regime de Assad, dá aos EUA essa necessária motivação ideológica, que move sua força militar de forma quase ininterrupta. Obviamente que muitos enxergam nisso um cinismo, uma justificativa de uma suposta autoridade moral para ganhos concretos e pragmáticos. De fato, é uma interpretação válida e muitas vezes correta. Mas a sociedade dos EUA, o cidadão comum, tem essa mentalidade, incrustada historicamente. Motivo número um, mas e os ganhos pragmáticos?

Assad e John Kerry, atual Secretário de Estado dos EUA, então Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, em jantar privado em 2009. Foto: Telegraph.uk

Assad e John Kerry, atual Secretário de Estado dos EUA, então Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, em jantar privado em 2009. Foto: Telegraph.uk

Cito três. O primeiro é enfraquecer as forças locais, tanto do governo quanto milicianas, para arrefecer as situações no Líbano, na fronteira norte de Israel e na fronteira com o Iraque (região atualmente controlada pelos rebeldes). Na última década, o Hizbollah usou a Síria como “refúgio” para suas operações nesses dois países, e atualmente luta pelo regime de Assad, de forma não oficial. A pressão política israelense, que enxerga na crise uma oportunidade de consolidar ainda mais sua presença na região, certamente pesa; desde 2006 os EUA classificam a Síria como um país que “contribui para o terrorismo”, e adotaram sanções unilaterais contra o país.

O segundo é a ausência econômica no país desde o início da guerra. Desde 2005, quando as relações entre a Síria e o dito Ocidente ficaram prejudicadas pelo assassinato do primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, a Síria estreitou seus laços econômicos com a Rússia e a China, prejudicando suas relações comerciais com a vizinha Turquia, a ex-metrópole França e Alemanha (os três países, somados, compravam cerca de 50% do petróleo sírio); os EUA teriam interesse na região pela facilidade de escoamento, por gasodutos e oleodutos, do petróleo produzido em território iraquiano (produção que está em retomada por empresas dos EUA). As relações comerciais entre o Ocidente e a Síria estavam em passo de retomada, mas, com a guerra civil, foram interrompidas.

Finalmente, o motivo mais importante. O Irã. Claro que esse é um assunto complexo, e que não é o tema deste post. Mas, o fato é: o Irã é visto pelos EUA como a maior ameaça à estabilidade regional e um obstáculo aos interesses do país. A História mostra, porém, que conflitos na Ásia central e no Irã não são facilmente resolvidos, especialmente para o invasor. Daí a estratégia de cercar o país. Vejam o mapa (novamente, desculpem pela arte). irãA Síria é o único país territorialmente e belicamente notável na região que não possui elos militares com os EUA; mais, mantém uma relação próxima com o regime de Teerã. Para os EUA, nesse tabuleiro, é vital que a Síria abandone essa posição. Derrubar Assad pode ser o caminho pra isso. Mais uma demonstração de força na região também teria significado. O isolamento político e geográfico do Irã estaria quase completo. Esse é o principal objetivo de Washington: retirar do cenário o último aliado iraniano na região.

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