Rui Moreira Lima – testemunha, depoente e autor da História
Faleceu, aos 94 anos, na madrugada desta terça-feira (13), no Rio de Janeiro, o brigadeiro Rui Moreira Lima. Ele estava internado no Hospital Central da Aeronáutica, no Rio de Janeiro, em decorrência de complicações de um AVC sofrido este ano. Natural de Colinas, no Maranhão, Moreira Lima ingressou na Força Aérea Brasileira logo quando da criação da instituição, em 1941. Piloto no 1° Grupo de Aviação de Caça (GAvCa) da FAB durante a Segunda Guerra Mundial. Executou 94 missões de combate e recebeu, dentre outras condecorações, a Cruz de Combate (Brasil), a Croix de Guerre com Palmas (França) e a Distinguished Flying Cross (EUA), por heroísmo e distinção em combate.

O Brigadeiro Rui Moreira Lima no cockpit de um P-47 preservado.
Caso você saiba de quem são os créditos da foto, por favor, avise.
O parágrafo inicial traz alguns fatos que soam, quando da morte de um combatente, um clichê, o tradicional panegírico de um militar. Para o blogueiro, Rui Moreira Lima foi mais que um número de missões ou que medalhas no peito. De caráter excepcional, personalidade acolhedora e com o manejo da caneta à altura do seu manejo de um avião, Moreira Lima deixou alguns dos mais comoventes e esclarecedores depoimentos, seja sobre ser um jovem ao caminho da guerra, sobre ser um militar, especialmente sobre ser cidadão.
Assista à Moreira Lima declamando a carta que recebeu de seu pai quando do seu alistamento, uma lição de cidadania e do papel das Forças Armadas em uma sociedade democrática (que, curiosamente, não era o caso quando a carta foi escrita, em 1939, durante o Estado Novo).
Moreira Lima escreveu dois livros, um deles essencial para a compreensão do papel brasileiro na Segunda Guerra, que reúne tanto “causos” do cotidiano, quanto aspectos da política envolvida. Essencial é Senta a Pua!, que pode ser encontrado facilmente em sua nova edição, ou em sebos, na antiga edição da Bibliex. Também foi publicado, pela Adler, seu Diário de Guerra, que é exatamente o que o título propõe: um diário de campanha, com datas, nomes, informações, erros e acertos.
Moreira Lima era coronel quando foi demitido, em dois de abril de 1964, do comando da Base Aérea de Santa Cruz, e preso por ser contra o golpe militar. Esperava a ordem do Presidente para resistir ao golpe, que não veio. Somados, são mais de duzentos dias de prisão, entre seus diversos episódios durante a ditadura. Teve seus direitos cassados, foi aposentado compulsoriamente, teve seu filho preso e levou até o fim da vida a mágoa de terem tirado seu direito de voar por dezessete anos.
Em 1979, Moreira Lima fundou a Associação Democrática e Nacionalista dos Militares (Adnam), que briga pelos direitos de militares cassados durante a ditadura e pela revisão da anistia para os militares criminosos. “No mundo inteiro, ninguém atura a covardia do torturador. É um bandido, um desgraçado, um covarde”. Lutou na justiça comum pela patente que merecia, de Major-Brigadeiro, já que foi aposentado compulsoriamente como coronel; conseguiu seus direitos apenas na década de 1990.
Um democrata e defensor do Estado democrático, assim como o Marechal Lott, cujo filho foi comandado pelo Brigadeiro, Rui Moreira Lima foi convidado para falar na Comissão Nacional da Verdade, sobre o período militar. Deixou um legado de opiniões, posturas, documentos, fontes históricas, depoimentos de quem viu e fez a História. Ciente do papel do militar no Estado moderno, e ciente de sua voz e da importância da opinião, Moreira Lima foi definido pela nota de luto da FAB como “mito grandioso, magnânimo, extraordinário”, um “guerreiro da nação” que será lembrado “indefinidamente”.
Rui Moreira Lima não foi mito, foi real. Foi mais que guerreiro, foi cidadão.
E morreu sem ser anistiado da injusta e infame perseguição que sofreu.
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Sobre o Brigadeiro, recomendo a fantástica entrevista ao site Quem Tem Medo da Democracia?.
Você pode assistir a participação dele na Comissão Nacional da Verdade aqui.
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O Brigadeiro, juntamente com diversos outros veteranos, está no excelente e comovente documentário Senta a Pua!, de 1999, dirigido por Erik de Castro.
A história do 1ºGAvCa durante a Segunda Guerra também é contada em quadrinhos, na série Jambocks, que já está no segundo volume.
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“E morreu sem ser anistiado da injusta e infame perseguição que sofreu”….Dois pesos e duas medidas neste pais de “democracia” cabocla…
Soa estranho para muitos um “milico” ter se posicionado contra a ditadura…
Caro Helder, infelizmente muitos deles foram silenciados por seus “colegas” de farda, posteriormente, por isso soa estranho. Um abraço!
Não sabia que ele havia se posicionado contra o governo militar na década de 60. Mais do que um herói de guerra, foi um ser humano, sensível ao que ocorria ao seu redor.
Enquanto bandidos vivem suas velhices confortavelmente como grandes brasileiros e recebendo pensões, esse senhor morreu como um pária para a sua categoria.
Caro Leonardo, não diria um pária, já que ele recebia reconhecimento de seus feitos. Mas teve que lutar por isso, algo que lhe deveria ser garantido desde o inicio. Um abraço
Felipe o que dizer do Rui Moreira Lima? Sempre me incomodou o discurso da construção do “herói” (herói pra quem e pra que, a serviço de quem e do que?) aquilo que vem camuflado por traz do ícone, os interesse que o alimentam e o usam. O herói se transforma em uma casca onde o conteúdo torna-se maleável servindo à inúmeros interesses conflitantes entre si. Por isso prefiro ver o Brigadeiro Rui Moreira Lima como você o descreveu (me pergunto se você não fez a mesma opção que eu fiz) um grande cidadão, alguém que admiro pelas escolhas que fez em sua vida e por enfrentar suas consequências com igual dignidade, muito mais que um veterano da Segunda Guerra um ser humano que em tempos nebulosos de nossa história recente não escolheu o caminho fácil do ufanismo nebuloso do meio no qual ele se fez. Parabéns pela homenagem que você fez, ele certamente a mereceu, abraços.
Caro Alexandre, obrigado pelos elogios e concordo com sua análise. Um abraço.
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Não sei se tem alguma relevância ou se quer vai interessar para alguém; mas gostaria aqui de fazer registrar o caráter e a simplicidade deste verdadeiro comandante e espetacular cidadão. Para iniciar, me chamo Carlos,nasci e me criei na BASC onde passei 23 anos da minha vida.Filho de um funcionário civil da base com o orgulho de conhecer o Brig Rui desde o seu retorno da Itália, não eu mas meu pai e minha mãe; por gostar de passarinhos quiz o destino ,uma aproximação com meu pai ,e ambos passaram a criar canários belga juntos e uma grande amizade ali nascera;ah! nós morávamos dentro da base.O tempo passou e retorno agora com o já então Cel Rui no comando da BASC.A amizade foi rescindida e por várias vezes vi (eu) o Cel Rui jantando em minha casa como se estivesse na casa de outros oficiais veteranos ou modernos,mas do nível dele;e meu pai era apenas um motorista orgulho-me disto . Na base funcionava um cinema e certa vez o Cel Rui dirigindo-se a mim e ao meu irmão perguntou se nós não gostávamos de cinema tendo em vista ele nem a sua esposa nos ver nas sessões de cinema.Confirmamos que gostávamos e que íamos sempre;ele então idagou por que então que não nos via;respondemos que assistia-mos na parte de baixo do cinema área destinada a cabos e soldados a parte de cima (o cinema tinha dois andares) era destinada aos oficiais e suas famílias. Neste momento como uma “ordem” ele disse ao meu pai que passaríamos a assistir as sessões lá em cima e ele iria conferir o seu pedido. Meu Deus QUANTA simplicidade, quanta importância que ele dava ao ser humano sem distinção. Daí veio 64 com a sua detenção e ficou mais difícil O contato;QUANDO perguntado ao meu pai durante a detenção deste também se ele era amigo do Cel Rui este respondeu era NÃO ,SOU e sempre serei enquanto vivo. Passados alguns anos ,passamos a nós encontrar nas festas do 22 de Abril onde sempre conversávamos um pouquinho e ele sempre falando dos bons tempos e só das boas lembranças que carregava;e depois de um grande abraço nos despedia-mos e eu aguardando o próximo ano para vê -lo de novo.Tenho seu cartão que guardo com carinho. Isso não está escrito em nenhum livro,rascunho ou nota; mas gravado eternamente no meu coração .Certamente não é interessante para ninguém E talvez nem deveria ter feito este post,mas gostaria de passar esta experiência de convívio com um HERÓI DE VERDADE ,UM HERÓI DA VIDA . Brigadeiro Rui Moreira Lima meu ADELPHI de vida.
Caro Filipe
Uma seara da nossa história, particularmente árdua em se encontrar, são exatamente as informações sobre esses personagens que participaram da política brasileira durante a ditadura, as peças fardadas em geral, são retratadas de forma caricata e com pensamento alinhado, com pouca visibilidade de personagens como os acima citados (Brigadeiro Rui Moreira Lima e o Marechal Lott), o general Andrada Serpa e o General Bentes Monteiro.
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