A Iugoslávia na União Europeia – Parte 4

Caros leitores, escrevi um texto grande, bem grande, sobre esse tema. Como não sei se ficaria apropriado para o blog, e há uma preferência por textos menores, decidi cortar o texto em três (talvez quatro) partes. A primeira, a segunda e a terceira parte já foram publicadas. Espero que gostem, tanto do texto, quanto do arranjo. O blogueiro, incentivado por amigos e leitores, decidiu dividir o texto em cinco partes, para uma melhor organização das ideias.

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Após a Segunda Guerra Mundial e a proclamação da República Federal Socialista da Iugoslávia, vamos pular para os anos 1980. Como dito anteriormente, a existência iugoslava é digna de discussão em vários aspectos, mas, para manter o foco dessa série de posts, o avanço cronológico é necessário. Em quatro de Maio de 1980, falece Josep Tito, líder dos partisanos durante a Segunda Guerra Mundial e chefe de Estado da Iugoslávia desde então. Com ele, morre um dos principais fatores de unidade do país. Paralelamente, o declínio do bloco dito comunista na Europa Oriental contribui para o enfraquecimento da Liga Comunista iugoslava e as tensões regionais voltam a subir. Ironicamente, no local onde essa crise terá seu ponto final. Em Kosovo.

A então província autônoma de Kosovo, de maioria da população albanesa, reivindica a ascensão para república autônoma federativa. Os sérvios consideram Kosovo o “berço” da Sérvia moderna. Em 1389, os exércitos sérvios são derrotados pelo exército otomano na Batalha de Kosovo. Mesmo derrotados, atrasam a expansão otomana na região. No século 19, na ascensão dos nacionalismos, a batalha é resgatada como símbolo da resistência sérvia contra o Império Turco. Posteriormente, devido às duas grandes migrações dos sérvios, à proximidade geográfica e ao fato de, na Segunda Guerra Mundial, Kosovo ter sido dominada pela Albânia, então um estado fantoche da Itália de Mussolini, a população albanesa, antes uma minoria, torna-se maioria na região. Para resolver a crise, em 1987, um alto funcionário da Liga Comunista é enviado para Kosovo. Slobodan Milosevic.

Originalmente um comunista que repudia o nacionalismo, Milosevic aproveita a nova ascensão do nacionalismo sérvio em relação à Kosovo, e torna-se extremamente popular. Após frustrar o desejo kosovar, seria eleito, em 1989, Presidente da Sérvia, ainda uma república que fazia parte da federação. Manobrando a alta cúpula federal, Milosevic muda a balança de poder interna da Iugoslávia em favor da Sérvia. Os ânimos acirram-se, e campanhas nacionalistas e tensões étnico-religiosas tomam força em todas as repúblicas iugoslavas. O ápice da situação se dá justamente em Kosovo. Num discurso que entrou para a História, em 28 de Junho de 1989, na celebração do 600º aniversário da batalha, Milosevic clama pela glória do povo sérvio. Em 23 de Dezembro de 1990, dentro das prerrogativas constitucionais de secessão, a Eslovênia realiza referendo que decide por ampla maioria pela independência do país. O mesmo ocorre na Croácia, em dois de Maio de 1991. Em oito de Setembro de 1991, o episódio se repete na Macedônia. Finalmente, em 29 de Fevereiro de 1992, um referendo que permanece nebuloso até hoje decide pela independência da Bósnia.

De todas as repúblicas citadas, apenas a Macedônia teve uma independência pacífica, sem grandes incidentes. Em 25 de Junho de 1991, Croácia e Eslovênia declaram suas independências. No dia seguinte, o exército federal invade os dois países. A guerra na Eslovênia seria conhecida como a Guerra dos Dez Dias. No caso de Croácia e Bósnia, os conflitos durariam mais de três anos, até 1995. No caso, o plural é mais que justificado, pois não se tratava apenas de uma guerra entre Sérvia, Croácia e Bósnia. Facções internas, por razões ideológicas ou étnicas, entravam em conflito umas com as outras; no ápice das guerras, o território que compreende Croácia e Bósnia estava dividido entre sete entidades diferentes. Devido a sua natureza de guerra civil, a população esteve diretamente afetada pelos combates, e atrocidades foram cometidas por todos os envolvidos. A guerra será sempre lembrada pela destruição de Sarajevo, capital da Bósnia, pelas ações de “limpeza étnica”, quando um grupo executava a minoria local, e pelas ações de estupro em massa, que supostamente objetivavam “purificar o sangue” da outra etnia. Na realidade, uma terrível arma psicológica cometida por covardes e criminosos. As estimativas mais modestas calculam cerca de 140 mil mortos e quatro milhões de refugiados.

Mapa mostrando a fragmentação territorial na ex-Iugoslávia, especialmente na Bósnia

Mapa mostrando a fragmentação territorial na ex-Iugoslávia, especialmente na Bósnia

Internacionalmente, as independências foram reconhecidas quase de imediato. Em oito de Abril de 1993, todas as ex-repúblicas da Iugoslávia eram membros da Organização das Nações Unidas. Esse processo foi facilitado pela Comissão de Arbitragem da Comunidade Europeia, que declarou as independências válidas, e pelo Conselho de Segurança da ONU que, em 27 de Novembro de 1991, autorizou missões de paz na região. As hostilidades cessariam de fato em Novembro de 1995, com a assinatura do Tratado de Dayton, mediado pelos EUA. A intervenção, ou mediação, estrangeira, entretanto, não foi bem recebida na Sérvia, que viu uma conspiração internacional para o enfraquecimento da região. Em determinados pontos, essa perspectiva tem argumentos sólidos, o que contribui para um ressentimento sérvio em relação à Europa ocidental, e um pilar para a continuidade do nacionalismo local. Restavam apenas Sérvia e Montenegro, mas o processo de dissolução da Iugoslávia ainda não terminou.

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Para o leitor que se interessar pelos acontecimentos do fim da Guerra Fria e as mudanças ocorridas na década de 1990, no que concerne à Iugoslávia mas não restrito à ela, o blogueiro recomenda duas leituras diferentes.

Era dos Extremos, de Eric Hobsbawm, e Pós-Guerra, de Tony Judt. Cada um dos historiadores segue um raciocínio distinto, ou seja, se completam. Como o primeiro livro é dedicado ao período de 1914 à 1991, e o segundo, de 1945 aos anos 2000, não seria necessária a leitura das obras inteiras para esse tema. Caso o leitor tenha um bom conhecimento de inglês, são livreis fáceis de achar pela internet, de forma “gratuita” (mas o blogueiro não dará os links).

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assinaturaFilipe Figueiredo é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.

 

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