A Iugoslávia na União Europeia – Parte 3

Caros leitores, escrevi um texto grande, bem grande, sobre esse tema. Como não sei se ficaria apropriado para o blog, e há uma preferência por textos menores, decidi cortar o texto em três (talvez quatro) partes. A primeira e a segunda parte já foram publicadas. Espero que gostem, tanto do texto, quanto do arranjo.

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Na primeira parte, o blogueiro escreveu sobre a admissão da Croácia como membro da União Europeia, e perguntou no que isso pode implicar para futuras admissões dos outros países que faziam parte da Iugoslávia. Para iniciar a resposta, no segundo texto, abordou a diversidade étnico-religiosa da região, e como, e por que, a Iugoslávia nasceu. Agora, veremos como o desejo, que esbarrou tanto na realidade quanto na utopia, de uma nação dos eslavos do sul foi encerrado e, na última parte, no que isso acarreta contemporaneamente.

Considerando que a Iugoslávia existiu por aproximadamente setenta e quatro anos, desconsiderando a interrupção causada pela Segunda Guerra Mundial, não seria correto dizer que foi um projeto político fracassado. Mas, considerando os desejos, as previsões e os sinais do que ela poderia se tornar, também não pode ser rotulada como um sucesso. Obviamente que alguns fatores da relativamente curta existência do país são dignos de nota, como a política externa não-alinhada durante a Guerra Fria, a economia baseada em cooperativas (a economia iugoslava entre 1950 e 1990 registrou das maiores taxas de crescimento mundiais), e o fomento multicultural das artes (destaco os monumentos futuristas em memória da Segunda Guerra Mundial) e dos esportes. Mas, ainda assim, o país ruiu em uma série de guerras, transformando o legado da Iugoslávia em imagens de limpeza étnica, morte de civis e cidades destruídas.

O fim da Iugoslávia tem seu maior fator na disputa entre croatas e sérvios pelo protagonismo regional. Ambos tinham projetos de “Grande Sérvia” (parte do estopim da Primeira Guerra Mundial) e de “Grande Croácia”, envolvendo uma expansão territorial intimamente ligada aos problemas fronteiriços de hoje. Quando, na década de 1930, o equilíbrio de poder favorece a Sérvia, os croatas radicais começam a resistência, que vai desde a defesa da independência política da Croácia até a luta armada contra os sérvios pelo domínio do país. Após a invasão da Iugoslávia pelo Eixo, em 1941, há a ocupação do país, com a anexação de alguns territórios por aliados da Alemanha (o que explica que até hoje existem grandes comunidades de húngaros e búlgaros no país) e a criação de dois países-fantoche aliados ao Eixo, na Eslovênia e na Croácia.

Usando da premissa básica de “dividir para conquistar”, há o fomento das identidades nacionalistas internas da Iugoslávia por parte da propaganda e da política do III Reich, para fortalecer tanto os novos estados quanto o esforço de guerra alemão. Mais de trinta mil voluntários da Iugoslávia lutaram pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, essencialmente croatas e bósnios. Uma divisão das Waffen-SS era constituída inteiramente por voluntários croatas e bósnios. Além desses, cerca de trezentos mil croatas e eslovenos lutariam pelos estados aliados ao Eixo. Finalmente, a fascista Ustaše, citada no post anterior, fez parte das ações do Holocausto, além de ações de “limpeza étnica” contra a população sérvia e contra a população cigana, em nome de uma “Grande Croácia pura”. Estima-se que estiveram envolvidos diretamente no assassinato em massa de mais de trezentos mil civis.

Mas engana-se o leitor que acha que apenas croatas estiveram envolvidos nesse tipo de atrocidades, ou que o blogueiro é parcial. Durante a Segunda Guerra Mundial houve o ressurgimento dos Chetniks, guerrilheiros sérvios que combateram o domínio otomano na região no início do século. Ligados ao nacionalismo sérvio e ao projeto de uma “Grande Sérvia”, os Chetniks agiram como força independente durante a guerra. Eram contra a presença de potências estrangeiras, embora, em situações pontuais, tenham usado o apoio alemão. Eram contra os croatas, por motivos nacionalistas. Eram contra os bósnios, por motivos religiosos. E, finalmente, eram contra os partisanos, por razões ideológicas; embora ambos fossem movimentos de resistência iugoslava à invasão estrangeira, os Chetniks eram um movimento monarquista e nacional, ao contrário dos partisanos socialistas e universalistas. Estima-se que cerca de cem mil civis tenham sido vítimas dos Chetniks que, embora também tivesse uma agenda genocida, como os alemães e a Ustaše, não contavam com os mesmos meios.

Mulheres lutando pelos partisanos de Tito.

Mulheres iugoslavas lutando pelos partisanos de Tito.

Ao fim da guerra, os partisanos comunistas, vitoriosos, liderados por Tito e apoiados materialmente pela União Soviética, pró uma Iugoslávia unida, julgaram e executaram os acusados de colaboracionismo, especialmente Chetniks e Ustaše, mas não há números dos certamente milhares de mortos causados por essa retaliação. Montenegrinos e macedônicos, em sua maioria, juntaram-se aos partisanos, não criando unidades próprias ou agendas particulares de poder. Os partisanos e sua ideia de uma Iugoslávia socialista e unida foram os vencedores, considerados parte oficial do esforço Aliado na Segunda Guerra Mundial. Em 1946, é proclamada a República Federativa Socialista da Iugoslávia, composta por seis repúblicas e duas regiões autônomas. Mas os traumas estavam criados e a ferida nacionalista, aberta. E esse cenário voltaria à tona em 1991, para a última parte.

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assinaturaFilipe Figueiredo é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.

 

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