Um final de semana importante para o possível fim da guerra

Este texto foi originalmente publicado como uma thread no Twitter/X e é reproduzido aqui para facilitar o acesso aos que não possuem perfil naquela rede social.

Duas cúpulas importantes ocorrerão nos próximos dias e não estão recebendo a devida atenção da imprensa brasileira, e eu gostaria de falar um pouco delas nesta thread/fio.

No próximo sábado, em Riad, capital da Arábia Saudita, será realizada uma cúpula emergencial da Liga Árabe.

Espera-se uma posição conjunta sobre a guerra e as operações militares israelenses em Gaza.

A Liga Árabe reúne vinte e dois países do norte e Chifre da África e do Oriente Médio/Ásia Ocidental, incluindo a Palestina. Desses vinte e dois países árabes, catorze não reconhecem Israel.

No domingo seguinte, dia 12 de novembro, em Jeddah, resort saudita no Mar Vermelho, será realizada outra cúpula emergencial, agora da Organização de Cooperação Islâmica, que reúne 57 países.

Lembrando que muitas vezes esses termos são erroneamente tidos como sinônimos: nem todo árabe é muçulmano e nem todo muçulmano é árabe. As cinco maiores populações muçulmanas estão em países não-árabes: Indonésia, Paquistão, Índia, Bangladesh e Nigéria. Desses, apenas a Índia não faz parte da OCI.

A pauta dessa cúpula emergencial será a mesma, com o foco na questão dos lugares sagrados e da população muçulmana de Gaza.

A Palestina também é membro.

Lembro de dois aspectos aqui.

Primeiro, o Hamas anunciou que seus ataques do dia Sete de outubro eram parte de uma operação chamada “Dilúvio de al-Aqsa”, nome da mesquita em Jerusalém que é o terceiro lugar mais sagrado do Islã e local de repetidas tensões com a extrema-direita israelense. Segundo, ainda no dia Sete, o primeiro pronunciamento saudita falava dos lugares sagrados.

Ou seja, a Arábia Saudita realizar, em dias consecutivos, essas duas cúpulas emergenciais permitirá reunir-se com praticamente todos os países interessados em, no mínimo, frear as ações israelenses.

Ainda mais, a cúpula da OCI pode possibilitar a primeira visita do presidente iraniano Ibrahim Raisi ao reino saudita. Os dois países, rivais nas últimas décadas, restauraram suas relações em março, em um acordo mediado pelos chineses, depois de sete anos de rompimento oficial.

A Questão Palestina, inclusive, foi o tema do primeiro contato direto entre Raisi e o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, que de fato governa o país.

Eles conversaram por telefone no dia 12 de outubro, cinco dias depois dos ataques terroristas do Hamas, e ambos expressam apoio aos palestinos e a necessidade de “acabar com os crimes de guerra” cometidos por Israel.

Existe um quinteto principal nestas duas cúpulas.

1, o Catar, país árabe membro da Liga e da OCI. Não reconhece Israel e é a sede internacional do Hamas. O reino absolutista do Golfo é essencial para negociações, representando/dialogando com o Hamas.

2, a Turquia, país membro da OCI. Reconhece Israel, mas ambos retiraram seus embaixadores. O governo Erdogan é um dos principais apoiadores internacionais da Irmandade Muçulmana e do Hamas, vide o caso da Flotilha de Gaza mais de dez anos atrás.

Hoje, Erdogan usa a Questão Palestina para propaganda tanto da Turquia quanto de seu governo, além de mobilizar os milhões de refugiados árabes dentro do país.

3, o Irã, país membro da OCI. Retirou seu reconhecimento de Israel após a Revolução Islâmica de 1979 e é o principal aliado do braço armado do Hamas, fornecendo inteligência, treinamento e armamento. O Irã também é o principal aliado, aqui em todos os sentidos, do xiita Hezbollah libanês e seus grupos aliados na Síria e no Iraque.

4, o Egito, país árabe membro da Liga e da OCI. Primeiro país árabe que normalizou relações com Israel, proíbe o Hamas e classifica a Irmandade Muçulmana como grupo terrorista. É a única fronteira com Gaza não controlada por Israel.

Finalmente, a Arábia Saudita, integrante da Liga e da OCI, por óbvio. Proíbe atividades do Hamas e, desde o reinado do fundador Abdulaziz al-Saud usa o fato de serem os guardiões das cidades sagradas de Meca e de Medina como uma ferramenta de política externa perante os países muçulmanos.

Além disso, hoje, é o mais rico país árabe e o com maior presença internacional, dialogando com quase todas as grandes potências.

Sua presença na OPEP+ também faz dos sauditas um dos principais atores econômicos mundiais, sendo o terceiro maior produtor mundial de petróleo, dono das segundas maiores reservas, e com um óleo de excelente qualidade.

Principalmente, não reconhece Israel, embora estivesse em um processo de normalização, mediado pelos EUA, nos últimos anos.

Processo que não agrada ao Hamas e pode ser um dos motivos dos ataques terroristas do dia Sete.

Se esse quinteto conseguir articular uma posição comum e, à partir dela, pressionar os EUA, daí pressionando Israel, poderemos ter uma saída da atual situação.

Especialmente uma posição comum sofre o futuro de Gaza. Essa semana, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu afirmou que “Israel assumirá por um período indefinido a responsabilidade geral de segurança” em Gaza.

O que isso significaria? Ocupação militar? Período indefinido significa ele ganhar tempo por sua sobrevivência política e jurídica?

O fato é: hoje, não se sabe qual o futuro de Gaza. Não existe um plano, ninguém está pensando no longo prazo.

No quinteto que citei temos os três principais parceiros do Hamas; o país árabe fronteiriço; e, principalmente, os sauditas.

O motivo de eu dizer principalmente é pelo fato de que são os sauditas que mais possuem algo a oferecer para Israel: o reconhecimento político e investimentos econômicos.

Desde 2002, os sauditas oferecem a chamada Iniciativa Árabe para a Paz, rejeitada por Ariel Sharon e por Benjamin Netanyahu. E pelo Hamas, mas aceita pelo Fatah desde Arafat.

A iniciativa é basicamente: em troca de um Estado palestino viável, os sauditas promoverão o reconhecimento de Israel pelos países muçulmanos e vão investir no país, em linhas bem cruas e resumidas.

Se esse quinteto não conseguir uma posição comum, terão menos poder de pressão perante os EUA e perante Israel.

Aguardemos.

Lembrando que eu, Filipe, já produzi muitos materiais sobre várias das questões apontadas aqui, desde podcasts, vídeos no canal Nerdologia no Youtube e colunas de jornal.

Como sempre, agradeço a confiança no meu trabalho.

Se achou o fio interessante, compartilhe.

Amo (quase) todos vocês.

(Fim da thread)

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