Sobre o veto dos EUA à resolução brasileira no Conselho de Segurança da ONU

Este texto foi originalmente publicado como uma thread no Twitter/X e é reproduzido aqui para facilitar o acesso aos que não possuem perfil naquela rede social.

Hoje de tarde o governo Biden vetou uma resolução proposta pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU e eu gostaria de complementar a discussão sobre a notícia.

Primeiro, o Brasil conseguiu algo quase impossível. Dialogar e articular diferentes perspectivas para uma resolução vinculante do Conselho de Segurança em um tema delicadíssimo, que envolve muitos interesses e está aflorado no debate público global.

A terminologia utilizada, os parâmetros de como atingir o objetivo, tudo isso precisou ser dialogado e aparado

O objetivo, no caso, era amenizar a catástrofe humanitária que ocorre e vai se agravar. Não é “pode”, ela vai se agravar.

O texto condenava toda a violência e hostilidades .contra civis, todos os atos de terrorismo, apelava pela libertação imediata e incondicional de todos os reféns e, principalmente, implicaria em uma pausa no conflito que permitisse o acesso de ajuda humanitária à Faixa de Gaza.

O termo “cessar-fogo” foi vetado nas conversas.

O Brasil conseguiu os votos favoráveis de China e França, mais os outros nove membros não permanentes do CSNU: Albânia, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique, Suíça e Emirados Árabes Unidos.

Notem a presença dos Emirados Árabes Unidos, país diretamente interessado no conflito, e a do Japão, aliado dos EUA.

Reino Unido e Rússia se abstiveram, o que não impediria a aprovação da resolução.

Sobra o veto dos EUA, membro permanente do CSNU.

Primeiro, o veto teve um componente de surpresa já que, habitualmente, ele é feito na pauta, não na votação, salvo questões de antagonismo direto.

Segundo, diversas observações feitas pelos EUA já haviam sido atendidas no texto da resolução. Ou seja, o governo Biden agiu de maneira abertamente agressiva em relação aos seus interesses.

A justificativa dada foi sobre o direito de autodefesa. Vocês podem assistir o discurso da embaixadora dos EUA aqui, com legendas.

Essa justificativa, além de ser só retórica, também contém problemas legais, como analisado aqui pelo Alonso Gurmendi, em inglês.

O que eu gostaria de trazer é outro componente, o do protagonismo dos EUA.

O governo dos EUA é o maior aliado internacional de Israel e está fornecendo uma enorme quantidade de apoio militar e diplomático ao seu aliado. Já são duas forças-tarefa de porta-aviões designadas para o teatro de operações, para dissuadir outros atores que pretendam atacar Israel, mais bilhões de dólares em auxílio.

Principalmente, Joe Biden está em Israel, uma viagem de solidariedade e também política. O secretário de Estado Blinken também, além de oficiais generais.

Além dessa aliança, entram dois fatores. Um deles é que os EUA são tradicionalmente insulados de órgãos multilaterais. Poderia voltar ao Farewell Speech de George Washington para explicar isso, mas vou me ater à uma famosa declaração de John Bolton, diplomata que é um conhecido falcão da política dos EUA, para quem Bolsonaro prestou continência.

Em 1994, no contexto pós-Guerra Fria, ele deixou claro o pensamento pelo unilateralismo defendido por muitos no aparato estatal dos EUA, não apenas por falcões ou por republicanos.

“Não existem Nações Unidas. Existe uma comunidade internacional que ocasionalmente pode ser liderada pela única potência real que resta no mundo, os Estados Unidos, quando se adequa aos nossos interesses”.

O segundo fator é que ano que vem é ano eleitoral nos EUA. Joe Biden tentará a reeleição, coisa que ele havia descartado fazer quando foi eleito. E o tema Israel é muito importante em alguns setores políticos dos EUA, como tem se tornado no Brasil.

Biden precisa de votos.

Enquanto uma resolução do CSNU seria importantíssima e engajaria boa parte da comunidade internacional nas providências humanitárias, na prática, o auxílio humanitário para Gaza depende apenas de dois países: Egito e Israel.

O Egito também cultiva boas relações com os EUA, embora já tenham sido melhores. Em profunda crise econômica e precisando se manter em pé, o governo al-Sissi vai acolher de bom grado o papel de protagonista nessa ajuda humanitária.

Ou seja, com Biden na região e o governo dos EUA podendo ele mesmo costurar um eventual acordo de ajuda humanitária, por que o governo dos EUA se deixaria eclipsar por uma resolução multilateral?

E tal acordo costurado pelos EUA certamente será de menor amplitude do que o articulado pelo Brasil, o que agrada Israel.

O governo Biden quer e precisa desse protagonismo, para vender não só como uma vitória de sua diplomacia, esse Leviatã unilateral, mas também como uma vitória para o público interno.

A própria embaixadora Linda Thomas-Greenfield, em sua fala, diz que “estamos no campo fazendo o trabalho duro da diplomacia (…)precisamos deixar essa diplomacia se desenrolar”.

“No campo” significa no Oriente Médio, conversando com os atores citados

Então, além da visão “pitoresca” do direito de autodefesa, o veto dos EUA também é sobre protagonismo do país e costurar um acordo próprio que possa ser vendido ao público interno, em contraste ao “falatório multilateral da ONU”

Como sempre, eu, Filipe Figueiredo, agradeço a confiança no meu trabalho, se achou interessante compartilhe.

(Fim da thread)

16 Comentários

  • Avatar de Flawer

    Bom dia.

    Vocês não possuem descência em passar pano na parcimônia que o desgoverno do Brasil de 2023 está em relação aos ataques t e r r o r i $ t@ s contra Israel???… E em uma fala desmedida chegam a arrolar de modo nada haver o nome de Jair Bolsonaro.

    Matéria totalmente parcial e sem credibilidade.

    • Alexandre Monferrari
      Avatar de Alexandre Monferrari

      Troll? Vai tomar um ar amigo. Escute o Xadrez Verbal antes de criticar a postura do Filipe e Matias.

      • Avatar de Caio

        É um bot programado com resposta padrão, caso algum post cite o ex-presidente e o pais envolvido no conflito.

        (Não fala o nome, se não aparece outro ot)

    • Avatar de Diogo Pinheiro

      a ver* . E acusar uma matéria de parcialidade não é acusação se nunca clamaram ser imparciais kkk. Vai tormar um ar.

    • Avatar de João

      Desgoverno, foi o Bolsonaro, que virou o maior fiasco internacional, e no Brasil juntou todos os loucos e mail intencionados a quebrar o planalto, em quatro anos conseguiu destruir com a imagem do exercito brasileiro, com a crença em Deus, com essa fé de mentira, com um filho gay, e uma mulher que é amante do Valdormiro Costa Neto, dito pela ex-mulher dele, essa é a realidade, sem falar em cocaína nos aviões, e jóias roubadas, sem cabimento nenhum, o Brasil está sendo reconstruindo, com um presidente que assumiu a presidência do G2, do Mercosul e tem a comunidade internacional a seu favor. Bozo nunca mais.

  • Avatar de Raiane Melo

    Concordo .sem nenhuma credibilidade contando meia verdades.

  • Avatar de Jozz

    Trata-se de tema sério. Nao cabem colocações partidaristas menores… Texto sério e bem colocado.

  • Avatar de Ramon jalws

    Sei que é fora de contexto. Mas estou muito decepcionado com vocês por nunca terem informado que a Tupa Guerra era demonologa, descobri essa semana vendo uma entrevista com ela no YouTube. Brincadeiras a parte, episódio sensacional.

  • Pingback: Acontecendo agora: Xadrez Verbal: Sobre o veto dos EUA à resolução brasileira no Conselho de Segurança da ONU via /r/brasil | alinegarciadias

  • Avatar de Livia

    Senhores – obrigada pelas análises, gosto muito delas!

    Uma curiosidade sobre o argumento de auto defesa, e o fato dele não ser aplicável (ou o Brasil não achar que ele seja aplicável) nesse caso: o fato de Gaza ser um território governado independentemente do West Bank, pelo Hamas, há quase duas décadas, não seria argumento para sim classificar o Hamas como autoridade governamental de facto?

    Existem outros exemplos no mundo de situação similar? Hipoteticamente, por exemplo, se Taiwan atacasse, sei lá, a Nova Zelândia! a auto defesa não seria justificada? Se não pela regra, pelo espírito da regra…?

    Se tiverem algum exemplo não hipotético adoraria ouvir!! Obrigada!

  • Avatar de marcelo

    o hamas não representa a causa palestina !!!!!

  • Pingback: Uma ONU que parece nadar contra a maré – Política internacional para apressados

  • Avatar de iasminsilvadesa

    the issue was about veto but why instead of vetoing, they did not try to creat strategies with other countries to put an, end to it but they only made it worse.

  • Avatar de xistolima

    O posicionamento dos países-membros do Conselho de Segurança da ONU tem prejudicado a atuação da ONU nos principais conflitos internacionais. Tanto no Leste Europeu como Oriente Médio, países como Russia e Estados Unidos, por exemplo, utilizam o poder de veto em benefício próprio ou em benefício de aliados envolvidos em conflitos.

  • Avatar de Natalia Rocon

    O veto dos EUA à resolução brasileira no Conselho de Segurança da ONU revela uma complexidade geopolítica e estratégica na abordagem do governo Biden em relação ao conflito em questão. A articulação do Brasil para uma resolução abrangente, com apoio de diversos países, destaca a importância de soluções multilaterais para crises humanitárias.

    O veto, justificado pelo direito de autodefesa, levanta questionamentos sobre as prioridades e o protagonismo dos EUA, especialmente considerando a proximidade política com Israel. O componente eleitoral nos EUA e a busca por uma narrativa de sucesso diplomático também são fatores influentes. O impasse destaca a delicada dança diplomática em meio a interesses divergentes e a busca por liderança em cenários complexos.

Deixar mensagem para Diogo Pinheiro Cancelar resposta