Comentários sobre as eleições municipais de 2016

– por Daniel Costa
Ao contrário de muita gente, fiquei surpreso, mas nem tanto, com a eleição de João Dória em primeiro turno — mais surpreso por ter ocorrido em primeiro turno, algo inédito no município de São Paulo. O que aconteceu foi uma exacerbação de uma tendência anti-petista. Os amigos de São Paulo podem olhar à sua volta: quantas não são as pessoas que na realidade não têm nenhum problema com o Haddad mas detestam o PT? Aliás, quantas pessoas não passaram a detestar o PT recentemente, depois de o partido ter emplacado a dupla “Maior Crise da História & Lava Jato”? O que se viu em todo o país não foi algo inesperado, mas sim uma mensagem muito clara de reprovação ao que ocorreu recentemente e ao partido que ocupou o Palácio do Planalto durante 14 anos — numa emulação das midterm elections que existem nos EUA, que servem como espécie de feedback para o atual ocupante da Casa Branca. Fica mais claro quando vemos que o PT perdeu metade das prefeituras que controlava, ficou com apenas uma capital do País e ainda perdeu prefeituras de cidades onde sempre possuiu bases eleitorais, como Guarulhos, São Bernardo, Porto Alegre, Diadema. Ficou claro que muita gente que antes não tinha problemas em votar no PT ontem votou de maneira a demonstrar seu descontentamento com a legenda.
Em São Paulo, qual seria a solução? Reclamar que a população não sabe que o Haddad é desafeto de Dilma e que é de uma corrente minoritária, que não apita nada no Partido dos Trabalhadores, que não foi responsável por decisões econômicas? Ficar nessa de “burrocracia”, sendo que foi a mesma cidade que 4 anos atrás elegeu o próprio Fernando Haddad? Pois é, também acho difícil isso funcionar. O primeiro passo para entender a surra homérica que o PT tomou em SP e no resto do Brasil é entender como não foram os candidatos individualmente ou suas propostas que foram rejeitadas em cada cidade, mas sim o Partido dos Trabalhadores que foi rejeitado em todo o país. Este seria o primeiro passo para o partido entender que há anos se faz necessário, para falar o português mais claro possível, “criar vergonha na cara” e fazer algum tipo de autocrítica que não envolva culpar os outros, como clamou Olívio Dutra, há tempos uma voz gritando no deserto. É necessário evitar o “confiamos demais nas pessoas erradas”, o “tentamos fazer muito pelos desfavorecidos, nesse país terrível não dá pra ser tão bom quanto a gente”, o “faltou aparelhar a mídia” e o posicionamento como vítima impotente de uma burguesia cheia de ódio e ressentimento, que não pode ver o pobre pegando avião. Ainda assim, duvido que esta autocrítica realmente ocorrerá — vide o debate entre Demétrio Magnoli e Guilherme Boulos em que este, o eterno crítico a favor do PT, se recusa a admitir que o PT, meses após denunciar o golpe e enquanto gritava Fora Temer, celebrou alianças Brasil afora com o PMDB. Aliás, segundo certos membros da intelligentsia petista, a própria palavra “autocrítica” teria origem no stalinismo…. dá pra imaginar a reflexão que o partido fará.
Ainda em se tratando de São Paulo, Dória se elegeu por causa de antipetismo? Sim. Por que tinha muito tempo de TV, graças à sua coligação maior do que a fila do SUS? Sim. Mas antes disso poder ter algum efeito, é bom lembrar que ele, meses atrás, teve a disposição de ir em bairros periféricos buscar apoio das lideranças locais do PSDB, num exemplo de militância inesperado para quem o enxergava somente como o “João Dólar”. Não sei dizer se ele comprou votos para ser o candidato do PSDB, como dizem as (más?) línguas da ala serrista do partido, mas sei que ele foi até lugares como Marsilac, Parelheiros, Cidade Tiradentes, entre outros pontos afastados do centro da capital paulista, a fim de apresentar sua pré-candidatura.
Ainda mais importante para a eleição foi o marqueteiro de Dória ter conseguido fazer os paulistanos acreditarem que o prefeito eleito, que já havia ocupado cargo até no governo Sarney, que literalmente atuou durante anos como lobista e que foi o criador do “Cansei” (quem se lembra?) não é um político. Em realidade, Dória sempre foi dos tipos de políticos mais perigosos, aqueles que agem longe da luz do sol. Acabou canalizando não só a vontade de punir o PT pela atual situação do país, mas também por se beneficiar de uma aversão grande da população pela política institucional como está posta.
Ao contrário do que alguns amigos anarquistas gostam de pensar, não me parece que esta desilusão com a política, representada por altos índices de abstenção e grande número de votos nulos e brancos, seja algo permanente ou uma decepção com a democracia como um todo. Tendo a discordar, parecendo-me mais que os atuais partidos estão descolados do eleitorado e que não representam suas vontades ou, ao menos, não parecem representá-las; que às militâncias partidárias falta a mesma autocrítica; e que partidos que representam certa renovação ainda são incipientes.
Neste sentido, a luz no fim do túnel aparentemente comemorada por boa parte da esquerda, seria a força que quadros do PSOL parecem ter ganhado. Mas eu não seria tão rápido em me empolgar. Isso porque aquela que talvez tenha sido a maior vitória do PSOL, a ida de Marcelo Freixo ao segundo turno depois de impor uma derrota dolorosa ao PMDB, talvez seja desperdiçada caso Freixo insista em pregar para os convertidos, como fez no Domingo da eleição (02/10) na Lapa, ao falar em golpe e Fora Temer. Se priorizar aqueles que não compareceram às urnas e tentar ser mais aglutinador, tem chances de levar o segundo turno. Cabe ressaltar também como a maior parte das propostas de seu programa ou é difícil de ser posta em prática, ou trará benefícios questionáveis, ou é tão genérica que fica difícil de avaliar. Para além disso, o PSOL do RJ aparentemente elegeu 6 vereadores. Entre eles há figuras razoavelmente promissoras, como Tarcísio Motta e Renato Cinco. Mas o mais assustador é ver como o partido que é tido há tempos como grande esperança da renovação da esquerda brasileira tenha eleito David Miranda (basicamente sua plataforma era gente famosa me apoia e meu marido é Glenn Greenwald, jornalista que adora inventar bullshit sobre o “golpe” e sobre a situação política do Brasil) e Leonel Brizola Neto. Haja renovação e frescor.
Se o PSOL do RJ mal chegou ao poder e já é problemático, no resto do Brasil não é muito diferente. O candidato do PSOL à prefeitura de Florianópolis, apoiado por PV e pela Rede, disse que “para nós, o Uber está para o transporte público de táxi assim como o vendedor ambulante está para o comerciante legal” — a frase não me pareceu tão ruim até o momento em que percebi que ele na verdade está contra os ambulantes e contra o Uber. O PSOL de SP não ficou muito atrás: por 25 votos não elegeu para vereadora uma moça que literalmente gritou “viva o ódio” num debate em sua universidade não faz um mês.
Outra coisa positiva teria sido a eleição de Suplicy, que serviria para “puxar” gente de esquerda para a Câmara dos Vereadores. Tenho minhas dúvidas, uma vez que sua coligação envolve, além do PT, PR, PROS, PCdoB e PDT. E que a candidatura de Suplicy não só ajudou a “puxar” gente destas legendas, como também pode ter prejudicado outras candidaturas mais ideológicas, como a de Nabil Bonduki, ao atrair praticamente todos os votos ideológicos dos eleitores do PT. Resta lembrar do papel desempenhado por alguns destes partidos em escândalos de corrupção recentes. Ou que também foram eleitos pela população de São Paulo para a Câmara os barões do transporte da família Tatto, o lobista dos taxistas Adilson Amadeu e mesmo figuras como Conte Lopes, famoso pelo número de pessoas que já matou.
Olhando para a direita, ainda como resultado da insatisfação com o PT e o governo Dilma, Fernando Holiday foi eleito vereador, pelo DEM. É interessante ver que Holiday, negro, gay (o primeiro da história da Câmara Municipal, apesar de não ter baseado sua campanha nisso), de família pobre e periférica, foi eleito fazendo uma campanha ridiculamente barata (declarou gastos menores que 50 mil reais, ao todo), calcada na internet e na força do Movimento Brasil Livre, grupo anti-Dilma que capitaneava ao lado de Kim Kataguiri. Fica claro que a direita modorrenta, dependente de coronelismo e clientelismo está ficando para trás — e que surge uma juventude direitista que não necessariamente tem sobrenome famoso, mas tem muita habilidade em se manter aparecendo nos jornais e (principalmente) na internet e se apresentar como alternativa política. A esquerda — em especial a chamada esquerda identitária — ainda sofre para entender o apelo de Holiday, e muitas vezes responde de maneira racista, acusando o rapaz de ser um fantoche ou mesmo um capitão do mato, ofensa odiosa que de repente se tornou aceitável quando direcionada para negros que desviam do que deles se esperava. Apesar de ter apresentado em sua campanha propostas factíveis, como o fim do monopólio municipal sobre serviços funerário e de poda, Holiday ainda discursa como Odorico Paraguaçu, uma caricatura de político populista, alçado a uma posição de destaque pelo momento político do país. É bom ressaltar que Holiday se mantém em destaque justamente pela dificuldade que impõe a seus adversários. Dentre eles, destaca-se o identitarismo de esquerda, que se vê entre a cruz e a espada, sem saber se tenta manter-se coerente e comemora a eleição de um negro gay e o consequente aumento da representatividade, ou admite que representatividade importa, mas identidade não pode ser o único critério para se fazer política. Resta esperar os próximos capítulos.
Ainda em se tratando da direita, é assustador perceber a ascensão dos Bolsonaros como uma espécie de clã reacionário brasileiro, à moda dos Le Pen na França. Flávio Bolsonaro, mesmo sendo um extremista totalmente despreparado, teve mais votos para prefeito do que qualquer pesquisa de intenção mostrava. Seu irmão, Carlos, se elegeu vereador sem ter muito tempo de exposição na televisão. Assim como Holiday, são de certa forma um desafio ao establishment da direita brasileira, mas muito mais autoritário e perigoso. A semelhança com os Le Pen também se dá no prognóstico sempre otimista a seu respeito, que sempre decreta sua derrota após os eleitores perceberem quem realmente são e o que defendem. Novamente, talvez o melhor seja esperar os próximos capítulos
Os novos partidos e grupos mais ideológicos, como Novo, Rede e mesmo o incipiente Livres (movimento de renovação o Partido Social Liberal) e a “Bancada Ativista” de São Paulo, precisam atentar para os rumos da política, para onde estão as oportunidades e quais devem ser os rumos da política. Por um lado, Freixo no Rio parece ter percebido que há um grande número de pessoas que não votam ou anulam seus votos, e que essas pessoas podem ser uma fonte importantíssima de votos, em especial para partidos que estão construindo suas bases eleitorais. Por outro, ACM Neto, com seus 75% de votos válidos, mostra que mais importante do que a pureza ideológica são os resultados concretos — além de um perfil moderado na política, o prefeito reeleito de Salvador exibe em seu portfólio obras de grande visibilidade, como a revitalização da orla da cidade. Cabe aos partidos pequenos e mais ideológicos que surgiram nos últimos anos dar propostas concretas para os problemas das pessoas, sem priorizar pureza em detrimento do bem estar dos cidadãos. Assim, evitando pregar uma potencial “união de esquerda/direita” que, no fim das contas, só serve como desculpa para o fraco desempenho deste ou daquele partido — na linha do “vocês fizeram o jogo da direita/esquerda”, a externalização de culpa na qual o PT se tornou especialista. Talvez seja também o momento para Fernando Haddad deixar o PT — a eleição mostrou que ele atualmente é uma figura mais forte do que o partido em São Paulo –, buscar um partido destes e usar a força de sua imagem para se dedicar a um projeto menos falido.
Por fim, resta lembrar que todos ganhamos quando a crítica (ou falta dela) aos governantes eleitos na última eleição não pode se pautar apenas por identidade ou imagem. O tribalismo político cega e impede as pessoas de se informarem de maneira adequada — o caso da redução de velocidade nas ruas de São Paulo talvez seja o melhor exemplo de tribalismo perigoso.
P.S. Se há motivo para se decepcionar com a democracia e com as decisões tomadas pelas maiorias, o mais lamentável não foi a eleição desse ou daquele candidato, mas a derrota do acordo de paz na Colômbia, por margem ínfima (50,2% a 49,8%).
Daniel Costa é graduando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, enfatizando o estudo do direito público e a multidisciplinariedade, buscando associar o estudo do Direito com as Ciências Sociais, em especial a Ciência Política. Pode ser contactado neste email. Outros textos de Daniel Costa.
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