Vitória de Dilma, derrota de Aécio: motivos, desafios, lições e História

Foi encerrada a maior eleição da História democrática brasileira. A maior em todos os quesitos. Certamente a mais engajada, cujo resultado acirrado demonstra. O momento não pode enfraquecer. A política deve continuar na pauta das conversas cotidianas e das redes sociais. As ideias de cada um devem ser debatidas, argumentadas, as diferentes visões para o país. Será tema de um texto próprio, mas o país não está necessariamente “dividido”, ele está engajado.

A continuidade do processo democrático criou isso, e esse sentimento deve ser alimentado. A incipiente vida democrática brasileira ainda precisa de muito para nós, brasileiros, termos uma tradição de democracia representativa, cujos direitos, deveres e atribuições estejam claros. A noção clara de que, vencedores ou perdedores, todos fazem parte da mesma comunidade. Segue uma análise dos últimos movimentos desse processo eleitoral.

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A falsa ideia de que o apenas o Nordeste brasileiro elegeu Dilma

O tema já foi abordado aqui nesse blog diversas vezes, falando tanto da eleição de 2010 quanto do primeiro turno da atual eleição; o texto sobre a geografia do voto está aqui, com as razões históricas que explicam como é impossível um presidente ser eleito apenas com o voto da região Nordeste. Posteriormente, outro texto falou dos estados que poderiam decidir as eleições: Pernambuco e Rio de Janeiro, por serem onde Marina teve grande votação, e São Paulo, por ser o maior domicílio eleitoral do Brasil.

No segundo turno, o vencedor foi Aécio Neves. O candidato do PSDB teve 16.143.944 votos a mais do que teve no primeiro turno; Dilma recebeu mais 11.233.450 votos, ou seja, Aécio superou Dilma em quase cinco milhões de votos. Por isso a vantagem da candidata do PT diminuiu, em relação ao primeiro turno. Dilma teve uma margem vitoriosa de 3.459.963 votos. Na maioria dos estados, o crescimento foi proporcional. Minas Gerais, governada duas vezes pelo tucano, por exemplo, viu cada candidato crescer em cerca de um milhão de votos de um turno para o outro, mantendo a vitória do PT no estado.

Em São Paulo, Dilma cresceu dez pontos percentuais. Aécio cresceu vinte, mas apenas isso já representou uma quantidade de cerca de dois milhões e meio de votos para Dilma, entre um turno e outro. Por ser o maior domicílio eleitoral do Brasil, as flutuações em São Paulo, mesmo que pequenas, trazem um grande peso. E foi realmente no Rio de Janeiro e em Pernambuco que Dilma cresceu e conseguir administrar sua vantagem. Os estados foram, respectivamente, apenas os 19º e 13º colocados onde Dilma foi mais votada no primeiro turno. No segundo turno, 14º e 4º colocados.

Somando Rio de Janeiro e Pernambuco, Dilma ganhou cerca de três milhões de votos totais, e meio milhão de votos no confronto direto com Aécio. O que surpreende, já que, no balanço total, ela cresceu menos que o tucano. Na maioria dos estados, as proporções foram mantidas. As grandes variações de Aécio entre um turno e outro foram São Paulo e Acre. Minas Gerais e Rio Grande do Sul foram praticamente divididos ao meio, assim como seriam no primeiro turno se desconsiderássemos os votos em Marina nesses estados.

O estado em que cada um foi mais votado, entre um turno e outro, foram os mesmos. As grandes alterações proporcionais em favor de Dilma foram no Rio de Janeiro e em Pernambuco, um estado do Sudeste e outro do Nordeste. Além disso, o PT conseguiu administrar a derrota em São Paulo. Se os 10% de eleitores paulistas que apoiaram Dilma entre um turno e outro tivessem votado em Aécio Neves, o tucano seria o Presidente eleito. Falar em divisão do Brasil, mesmo que desconsideradas as deploráveis manifestações preconceituosas, é falso. Em números absolutos, Dilma teve 24.8 milhões de votos no Norte e Nordeste, e 26.7 no Sul e Sudeste (por razões explicadas no texto mencionado). Não foi apenas uma região que elegeu Dilma, o voto no Brasil não é estadual, como nos EUA. Finalmente, o mapa dos votos municipais ajuda a ver que não há linha definida.

Infográfico do jornal O Globo

Infográfico do jornal O Globo

Os desafios de Dilma Roussef e do PT

Presidir o Brasil, um dos dez maiores países do mundo e uma das dez maiores economias do mundo, obviamente, não é tarefa fácil. Uma votação apertada apenas aumenta o trabalho pela frente. Dilma Roussef terá alguns desafios maiores que outros, entretanto, nos próximos meses de seu primeiro mandato e nos anos do seu segundo mandato. O primeiro é de natureza econômica. Dilma já afirmou que Guido Mantega não segue como Ministro da Fazenda. Quem será seu substituto? Qual a linha adotada? O crescimento industrial e a manutenção da captação de investimento (sim, manutenção. O Brasil é o quinto país que mais recebe investimentos no mundo) devem ser prioridades nesse novo gabinete, dito pela própria Dilma em seu discurso de agradecimento.

O segundo é de natureza política. O caso da Petrobras, cujos desvios já foram admitidos pela Presidenta e certamente ainda terá muita repercussão. Não obstante a necessidade de investigação sobre as denúncias feitas e seus envolvidos, Dilma precisará articular um novo governo em meio a esse clima político. E uma coisa está diretamente ligada à outra. Com o impressionante número de vinte e oito partidos com representação no Legislativo, a fragmentação parlamentar (analisada aqui, após a atual eleição) está justamente no cerne da corrupção; no caso conhecido como Mensalão pagava-se para manter uma base aliada e garantir a governabilidade do Executivo. A distribuição de ministérios e cargos, nem sempre de acordo com critérios técnicos, também faz parte desse jogo.

O que leva ao terceiro desafio: manter a promessa, repetida no discurso de vitória, de uma reforma política. Os eventuais problemas do atual sistema político representativo brasileiro andam de mãos dadas com a necessidade de coligações espúrias. Como seria essa reforma? Quais os pontos principais? É uma oportunidade de, investido o capital político necessário, modernizar um dos pontos mais engessados da sociedade brasileira. E isso demandará outra coisa também mencionada por Dilma após ser reeleita: muito diálogo. A votação apertada, o legislativo pulverizado e a formação de um novo gabinete criam uma situação que requer tato. Finalmente, seria interessante ver Dilma dar maior atenção para as relações exteriores do Brasil. Iniciando o governo com um chanceler de sua confiança, isso talvez ocorra.

As lições para Aécio e para o PSDB

O PSDB, por muito tempo, não soube fazer política, muito menos ser oposição. O PSDB deveria ser o centro da oposição brasileira, mas sempre pareceu mais o partido que “não é situação”, apenas. Executaram coligações e candidaturas presidenciais quase sem sentido, como a alternância entre José Serra (2002), Geraldo Alckmin (2006) e o retorno para um José Serra ainda mais desgastado em 2010. O partido decidiu pela candidatura de Aécio Neves, oficialmente, com certa antecedência, mas o então senador quase não aparecia. Não conseguiram articular uma coligação de peso para o primeiro turno, tendo praticamente apenas metade do tempo de televisão de Dilma Roussef. O vice-presidente na chapa pouco acrescentou, era do mesmo partido e também de um estado do Sudeste, Aloysio Nunes, de São Paulo, como tratado nesse Xadrez Verbal Vídeo.

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Se o PSDB pretende ser o vencedor do pleito de 2018, deve trabalhar a candidatura de Aécio Neves já na próxima semana. Ele deve se tornar o rosto, a voz e o nome do partido. O modelo de Lula é cristalino: ele ficou praticamente em campanha permanente entre 1993 e 2002, com as Caravanas da Cidadania, por exemplo. Além disso, deve articular uma coligação não apenas eleitoral, mas de oposição. Aparentemente, fará isso com o PSB. Marina Silva e sua Rede ainda são uma incógnita, e tema de texto próprio. Finalmente, Aécio Neves e o PSDB devem esclarecer seu eleitorado e contribuir com o diálogo no país.

Alguns podem se surpreender, já que, aparentemente, essa suposta cisão nacional é fruto do PT. Não necessariamente. Por exemplo, seu coordenador de campanha, Agripino Maia, do Democratas, nascido no Rio Grande do Norte, afirmou, após a derrota: “A maioria dos Estados do Sudeste, no Centro-Oeste, ou seja, no Brasil moderno, no Brasil que produz, a vitória de Aécio Neves foi acachapante”. Além de reproduzir o senso-comum deplorável, refutado aqui nesse espaço, essa declaração causa justamente a cisão que sua coligação supostamente condena. Mais, como conquistar um eleitorado chamando-o de atrasado e improdutivo? É justamente esse comportamento que embasa uma campanha do medo, em que uma pessoa vê na eleição do tucano o seu pesadelo.

E mesmo quando se trata do eleitorado tucano em outros estados, não é dos mais esclarecidos, politicamente. Aderir ao discurso de “é para tirar o PT do poder” ou “contra tudo isso que tá aí” é vago, facilmente refutado no boca-a-boca. Como pode um candidato defender a ampliação do programa Bolsa-Família e seu eleitorado chamá-lo de esmola? Isso enfraquece sua própria candidatura, além de denotar a falta de militância partidária. O tipo de ação política de rua, “na ponta” do espectro político, que faz diferença. Marca a presença do partido, divulga suas propostas e embasa sua candidatura. Como contar com um eleitor que vai contra suas próprias propostas? Hoje, o PSDB está reduzido ao antagonismo que apenas condena com desdém.

História

É sempre necessário deixar claro, dada a história brasileira: o principal espírito da democracia é o respeito ao resultado das urnas. Deve-se aprender que o fato dos países com os melhores índices socioeconômicos do mundo serem democracias sólidas não é uma coincidência. O Brasil vive, hoje, seu maior período democrático, sua maior eleição e, certamente, das mais engajadas. Isso está no cerne de uma sociedade mais justa, mais preparada e moderna. A corrupção, inimiga pública número um no Brasil, somente será derrotada justamente pela democracia e seus crescentes instrumentos de poder; um poder do povo, não mais propriedade de um coronel regional.

O debate e a progressão democrática também podem mudar outro panorama observado, o da alta abstenção eleitoral. Por ceticismo, por descrença, por pessimismo, não importa, isso deve mudar, independente da obrigatoriedade ou não do voto. Não cabem aqui, ainda, prognósticos futuros e análises do que pode acontecer. O momento é de reflexão sobre o que aconteceu, seus motivos, suas lições e suas consequências. O engajamento político democrático deve ser incentivado ao máximo. Algumas feridas sociais brasileiras talvez tenham chegado ao seu ápice, o que é excelente. Depois do ápice, vem o declínio. Pelo diálogo, pela democracia. Essa eleição pode ter sido um momento feliz ou triste, dependendo do que o indivíduo defende. Acima de tudo, quando, pela primeira vez, mais de cem milhões de brasileiros votam em uma pessoa para presidir o país, temos um momento histórico.

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assinaturaFilipe Figueiredo, 28 anos, é tradutor, estudante, leciona e (ir)responsável pelo Xadrez Verbal. Graduado em História pela Universidade de São Paulo, sem a pretensão de se rotular como historiador. Interessado em política, atualidades, esportes, comida, música e Batman.

 

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